
Quando o primeiro ultrassom aponta a chegada de filhos gêmeos, certamente o universo familiar se inunda de alegria, sonhos e até mesmo, de medos. Afinal, criar um filho não é tarefa fácil, imagina o trabalho e tempo direcionados à criação e cuidados com dois ou mais bebês ao mesmo tempo? Será que tudo vem realmente em dobro? Embarcando na onda do dia mundial dos gêmeos, que é celebrado anualmente no dia 18 de março, não vou falar especificamente sobre irmãos gêmeos, mas de duas mães que tiveram filhas gêmeas e ambas, portadoras de necessidades especiais.
Para começar, é preciso dizer que quando escrevi o post Meio litro de lágrimas, narrando como foi “impactante” descobrir que, além de uma deficiência, tivemos que “driblar” mais uma outra deficiência que apareceu na vida da Dani e que, apesar da nossa dor e do meu profundo sentimento de culpa, não poderíamos ficar chorando pelo “leite derramado”, pois existem pessoas que estão passando por situações muito mais complicadas, como o caso da Aya Kito que, diagnosticada com degeneração espinocerebelar aos 15 anos, teve que enfrentar a dura e cruel realidade de, em sã consciência, ver seu corpo sendo dizimado, até não conseguir mais comer, andar ou conversar, falecendo ao 25 anos, na ocasião acabei não comentando que também tem mães que, num misto de imensa alegria mas de muita preocupação, dão à luz não só a um, mas a dois ou até mais filhos especiais. Se, por natureza, sabemos que não é fácil criar um filho, se ele for especial, é fato que vai exigir mais cuidados. Dois filhos gêmeos especiais, então, é algo inimaginável para muita gente, não é mesmo?
Mas não é que tem gêmeos cegos, autistas, surdos, com Síndrome de Down e também com paralisia cerebral? Difícil acreditar mas tem!!! Estes dias atrás fiquei muito emocionada ao ler um artigo do blog Crianças Especiais que conta como Ayla Martins, mesmo com tantas dificuldades financeiras, mergulhou de “cabeça” num novo mundo cheio de dúvidas, medos e incertezas, ao descobrir que as suas filhas, gêmeas idênticas, Manuella e Gabriella, tinham paralisia cerebral e Síndrome de West, que é uma epilepsia de difícil controle. Apesar de aceitar e compreender que as meninas iriam precisar de infindáveis cuidados, carinho e do amor incondicional dos pais por toda a vida, muito mais do que qualquer outra criança dita “normal”, ela diz que o que mais “doeu” foi ter que lutar por acessibilidade e contra o preconceito, para dar o mínimo de dignidade possível para suas filhas.
Porém, mesmo diante de tantas intempéries, Ayla conta que suas filhas fizeram com que ela e seu marido Tiago enxergassem a vida com outros olhos, acreditando nas coisas boas da vida e declarando, inclusive, que mesmo enfrentando tantos infortúnios, suas filhas são felizes. Apesar de não pronunciarem uma única palavra, elas conseguem transmitir coisas incríveis com seus expressivos olhos de “jabuticaba” e seus sorrisos abertos e cheios de inocência. Ela agradece a Deus todos os dias pela vida e saúde das filhas e por serem assim, exatamente como elas são, pois o que pode parecer supérfluo para algumas famílias em relação ao desenvolvimento dos filhos, para ela e seu marido, cada conquista é uma grande vitória. Lindo depoimento dessa mãe que, nadando contra a correnteza, está sempre de bem com a vida, “fazendo das tripas coração” para oferecer uma vida digna para suas princesinhas Manu e Gabi, vocês não acham?
Pois é! Mas agora vou falar de uma outra mãe que teve duas filhas gêmeas surdas e que, de certo modo, teve uma expressiva repercussão na minha vida. No post Resultado da Audiometria: seu filho é surdo (a) comentei que para nós, pais ouvintes que não têm a menor noção do que é ter um filho surdo, ao depararmos com o resultado da audiometria, diagnosticando que nosso filho tem algum grau de surdez, ficamos “sem chão” diante desta nova realidade que se apresenta à nossa frente. Na época em que ficamos sabendo que a Dani era surda, nós morávamos em São Paulo e eu me recordo claramente que quando fui passar as férias na casa dos meus pais, em Maringá, ainda no período de “luto”, como define a psicóloga Larissa Vendrusculo, enfatizando que a descoberta de uma deficiência traz uma ideia de morte não real, mas simbólica, ou seja, morte dos planos, sonhos e projetos que se tinha para a criança, meu pai, na tentativa de me confortar, contou-me que sua colega de trabalho havia dado à luz a trigêmeos, sendo um menino e duas meninas e que elas eram surdas. Saber que tinha uma mãe que estava numa situação duplamente “pior” que a minha, me deixou um pouquinho mais conformada mas, ainda assim, precisava de tempo para “digerir” uma nova situação na minha vida.
Ao saber que em Maringá havia uma escola oralista (atualmente escola bilíngue) para crianças com deficiência auditiva, à procura por uma qualidade de ensino que fosse favorável à Dani, acabei voltando para a minha cidade natal e meu pai, sempre que surgia uma oportunidade, no intuito de me acalentar ou incentivar, gostava de me contar do empenho da sua colega Clélia em relação às suas duas filhas gêmeas surdas. À medida que o tempo foi passando, ao conviver com minhas filhas e observar como a Dani exigia atenção e cuidados especiais, meu pai passou a admirar ainda mais a Clélia que, assim como ele, também era professora de Matemática na Universidade Estadual de Maringá. Além de lecionar, ela tinha que dar conta, não só das duas crianças surdas, mas de outros 3 filhos pequenos, sendo um deles da mesma idade das meninas, pois como citei um pouco antes, eles eram trigêmeos.
Não tenho muita noção de como meu pai atuou profissionalmente, pois ele era uma pessoa muito reservada e na sua discrição, não tinha o costume de falar sobre seus colegas de trabalho, abrindo uma única exceção para tecer elogios à mulher “guerreira” Clélia, que era a sua fonte inspiradora para me “elucidar” que tinha mães enfrentando “em dobro” as mesmas dificuldades que, porventura, eu tivesse que encarar.

Alguns anos depois, Dani conheceu a Marília e a Beatriz, as filhas gêmeas da professora Clélia. Participando, atualmente, da comunidade surda de Maringá, Dani e Marília são, por enquanto, as únicas “doutoras” surdas da cidade. Pai… talvez nem em sonho você pudesse imaginar que a sua neta Dani e a Marília dariam continuidade à tão nobre missão de ensinar que, tanto você como a professora Clélia, abraçaram incansavelmente durante décadas e mais décadas. E quem diria que um dia, lá no futuro, elas seriam amigas, hein, meu querido pai?
Professora Clélia… talvez você não saiba, mas não foram poucas as vezes que meu pai, nutrindo imensa admiração pela sua família, se inspirou na sua garra e determinação, para me dar forças na minha incessante busca por uma vida digna para a Dani. Nesta data, em que o mundo comemora o dia dos gêmeos, é com imensa emoção que presto a minha sincera homenagem às mães que, assim como você, Clélia Maria Ignatius Nogueira, Ayla Martins, Vanessa de Paiva, mãe das gêmeas Clara e Alice, portadores de síndrome de Down, Rose Barossi, mãe dos gêmeos autistas Gigi e Rafa, Fabiana Clarck, mãe adotiva dos gêmeos Raíssa e Benjamin que nasceram com paralisia cerebral e tantas outras mães, têm filhos gêmeos especiais.
Vocês realmente sabem o que é ter que, em dose dupla, mover “mundos e fundos” a que todas nós, mães de crianças especiais, nos empenhamos diariamente em prol da inclusão social e, de quebra, insistindo e persistindo pelo direito de ir e vir como cidadãos. No arbitrário “show da vida”, vocês nos contemplam com verdadeiras lições de superação e cientes de que “o essencial é invisível aos olhos”, conforme sacramentou o escritor Antoine de Saint-Exupéry, não se prendem às superficialidades, valorizando a beleza interior, que toca lá no fundo do coração. Vocês merecem, mais do que ninguém, aplausos e mais aplausos da platéia mundial. “Tiro o meu chapéu” para vocês. Parabéns!!!
~ Bia ~