“Podemos fazer tudo que quisermos se formos perseverantes”

Helen Keller lendo um livro em braille (1960) | Fonte: Escola Perkins para Cegos

Foi com essa frase que iniciei e transcrevi em escrita de língua de sinais (SignWriting), as primeiras páginas da minha tese de doutorado. Sabe por que? Porque a autora desta frase é a minha maior inspiração de que tudo é possível se eu não desistir e… persistir!!! 

Hoje, 27 de junho, é o aniversário de Helen Keller (1880-1968) e o mundo comemora, em sua homenagem, o Dia Internacional da Pessoa Surdocega.  A data foi escolhida porque ela foi a primeira pessoa surdocega a entrar para o ensino superior, tornando-se um exemplo de superação e coragem, bem como defensora dos direitos das pessoas com deficiência, escritora, ativista política e oradora pública. Estadunidense, ela perdeu a visão e a audição devido a uma doença ainda bebê (19 meses) e foi somente após Anne Sullivan, uma determinada professora de 20 anos da Escola Perkins para Cegos, colocar a sua mão sob uma fonte e soletrar a palavra “água” com a palma da mão, que ela começou a interagir com o mundo que a cercava. Até então, era uma menina de 7 anos temperamental e hostil, mas como ela conta em sua autobiografia, “A História da Minha Vida”, Anne Sullivan resgatou-a de um “silêncio sombrio e sem som”. A partir desse encontro em que Helen Keller descreve que nem mesmo sua mãe conseguia se comunicar com ela e que com uma pequena palavra dos dedos da mão de uma mulher, uma luz de outra alma tocou sua vida, ela encontrou um propósito para viver e durante o período em que trabalhou para a Fundação Americana para Cegos, de 1924 a 1968, viajou mundo afora dando palestras, promovendo a causa e defendendo a educação e o bem-estar das pessoas com deficiência, enquanto inspirava com sua história pessoal, demonstrando resiliência para superar desafios. 

Segundo o escritor Patrick Parr, o maior impacto social de Keller pode ser encontrado no Japão. Em 1934, o fundador do Nippon Lighthouse, Takeo Iwahashi, viajou para Nova York, no intuito de convidar Helen Keller a visitar o Japão. Naquela época, Anne Sullivan implorou que ela aceitasse o convite e ajudasse os cerca de 160.000 cegos e 100.000 cidadãos surdos do país, pois apenas 4.000 deles (de acordo com Iwahashi) estavam recebendo uma educação precária. Sullivan faleceu em 1936, deixando Keller com o coração partido e com um desejo imenso de atender ao pedido de sua melhor amiga. Em 15 de abril de 1937, Helen Keller e Polly Thomson (seus “olhos e ouvidos”) desembarcaram na Baía de Yokohama após uma longa viagem de duas semanas pelo Pacífico a bordo do Asama Maru (o avião não era um meio de transporte disponível naquela época) e ela passou 10 semanas visitando 33 cidades, enquanto transmitia sua mensagem de luz e esperança para mais de 1 milhão de pessoas, dando início a um legado que permanece até hoje. Em novembro de 1937, os jornais japoneses noticiaram que o país começaria a fazer planos para novos “lares” para cegos, contendo clínicas oftalmológicas, instalações para orientação vocacional e biblioteca em braile. Keller voltaria ao Japão mais duas vezes e, a cada visita, novas associações de apoio para deficientes eram criadas graças a um aumento na arrecadação de fundos, sendo que um desses programas tornou-se a Tokyo Helen Keller Association, estabelecida em 1950 e que, ainda hoje, permanece ativa no bairro de Shinjuku, na capital japonesa. Após sua morte em 1º de junho de 1968, o governo japonês concedeu-lhe a Ordem do Tesouro Sagrado. Em 1971, a diretoria do Lions International designou o dia 1º de junho para incentivar os Leões de todo o mundo a oferecer serviços relacionados à visão, levando a Chiba Eye Bank Association, fundada em 1985 pelo Lions Club 333-C District em Chiba, a perpetuar o legado e as conexões de Helen Keller com o Japão, dedicando em 1º de junho de 2011, uma estátua de bronze em sua homenagem.

Estátua de Helen Keller​ no Japão | Fonte: Wander Women Project

A vida de Helen Keller continua a inspirar muitas pessoas ao redor do mundo, motivo pelo qual a homenagem que prestamos no dia de seu nascimento é propícia para falarmos sobre a surdocegueira, que ainda hoje não recebe tanta visibilidade. Imagine viver no silêncio e no escuro. Imagine viver sem saber ou poder se comunicar. Imagine viver sem ter o acesso aos direitos básicos que todo o ser humano deveria ter. Infelizmente essa é a realidade de muitos brasileiros acometidos pela surdocegueira, conforme mencionei anteriormente nos posts Perda de visão após a surdez, Surdocegueira: surdo e cego ao mesmo tempo e Afinal de contas, o que é Síndrome de Usher? 

São inúmeros os desafios enfrentados por nós, surdocegos e mais do que ninguém, sabemos o quão essencial é a nossa inclusão na sociedade. Certamente a comunicação é a maior barreira a ser superada, variando de acordo com o grau de comprometimento da visão e audição, associado aos estímulos que cada pessoa surdocega vai receber ao longo da vida. No entanto, Helen Keller nos incentiva que, com perseverança, temos a capacidade de vencer os obstáculos e as limitações.

Mas para chegar a essa condição, sabemos que um importante avanço ainda é necessário na área educacional, uma vez que há carência de profissionais especializados e de recursos de tecnologia assistiva. Obviamente, muitas e muitas ações ainda precisam ser colocadas em prática para que possamos participar ativamente de todos os processos que nos cercam. Sem contar que o ingresso no mercado de trabalho é outro grande desafio enfrentado pela comunidade surdocega, que raramente encontra portas abertas para mostrar suas potencialidades profissionais.

Apesar do longo percurso que ainda temos que desbravar, enquanto preparava este artigo, recebi uma boa notícia! A lei que cria o Dia Nacional da Pessoa com Surdocegueira, celebrado em 12 de novembro, foi publicada no Diário Oficial na quarta-feira da semana passada (21/06). A data, que agora passa a ser oficialmente comemorada, é uma vitória pois essa conquista ajuda a conscientizar a população brasileira sobre as necessidades específicas de organização e de políticas públicas para a inclusão social, combate ao preconceito e discriminação dos surdocegos que, com base no Censo de 2010, leva a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis) a estimar que o país tenha cerca de 40 mil pessoas com diferentes graus de surdocegueira, que pode ser congênita, desde o nascimento; ou adquirida, quando os sentidos da visão e da audição são afetados ao longo da vida.

Segundo Laís Drumond, coordenadora social da Feneis, a nova lei traz o ponto de vista da população surdocega que sofre com a luta e as barreiras para ter acesso aos seus direitos, que são únicos e diferentes da população cega e da população surda, uma vez que os surdocegos tem uma identidade única e precisam de maior inclusão social. Ela destaca que os brasileiros não acessam informações sobre a comunidade surdocega, uma população pequena e quase invisibilizada, sendo imprescindível aumentar o acesso às informações sobre os direitos desse segmento, doenças que podem causar surdocegueira, orientações sobre saúde e acesso aos serviços. Para Laís, a garantia do direito do surdocego também perpassa pelo desenvolvimento de comunicações táteis, que é como muitos surdocegos acessam o mundo, além de uma boa capacitação de profissionais de apoio, como guias, cuidadores e familiares.

Dito tudo isso, ​​embora tenhamos que enfrentar “trocentos” obstáculos no tocante à comunicação e mobilidade, a promoção da inclusão, conforme tão intensamente propagou Helen Keller, é fundamental para que, não apenas os surdocegos, mas todas as pessoas com qualquer outra deficiência possam demonstrar suas potencialidades, conquistarem autonomia e terem participação efetiva na sociedade. E, especialmente para nós, surdocegos, a inclusão nos ajuda a sairmos do isolamento, fazendo com que tenhamos acesso à informação e conhecimento, interagindo com o mundo e demais pessoas à nossa volta. Como minha mãe sempre diz que, nem tudo são flores, mas superando com otimismo e determinação as adversidades da vida, é possível alcançar a luz que brilha no final do túnel, estamos o tempo todo lidando com incertezas, porém, com persistência, fé em Deus e acreditando em dias melhores, tudo dá certo no final das contas. Afinal, Helen Keller nos ensina que “a sutileza da nossa visão não depende do quanto somos capazes de ver, mas do quanto somos capazes de sentir”. Sábias palavras…

~ Dani ~

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