
Os portadores da Síndrome de Usher nascem surdos e, por conta de uma doença chamada retinose pigmentar, acabam perdendo a visão. Alguns surdos convivem com a certeza de que sua visão vai, mais cedo ou mais tarde, se perder…
Então, de que forma esse surdo poderá interagir com o mundo na ausência ou diminuição significativa de dois dos principais sentidos que possuímos? É sobre isso que falaremos agora.
A surdocegueira é, provavelmente, uma das deficiências que mais causa incredulidade entre as pessoas sem deficiência, de modo a questionarem:
– Como uma pessoa vai viver sem ouvir e nem enxergar?
– Como vai aprender e cursar uma graduação?
À primeira vista parece impossível, não é mesmo? No entanto, como vimos no post anterior, nem sempre a pessoa não vê nada e nem escuta nada. Há pessoas que têm resíduo auditivo e/ou visual mas também tem pessoas que, por não terem nenhum resíduo, seja na visão ou na audição, são totalmente surdocegas. Mas, vamos destacar novamente que ser surdocego não significa ser totalmente cego ou surdo.
E como as pessoas com surdocegueira se comunicam?
A forma de comunicação depende do resíduo que elas têm. Havendo resíduo visual, elas podem fazer a leitura labial, usar a linguagem oral e a língua de sinais (Libras), de acordo com a sua comunicação. No entanto, caso não haja resíduo da visão, a pessoa com surdocegueira pode utilizar outros meios de comunicação, com a mediação do guia-intérprete, que além de dominar a Libras-tátil e outros métodos de comunicação, auxilia o surdocego no seu deslocamento, descrevendo todas as informações visuais e contextuais que são importantes para a sua compreensão.
Acessibilidade à pessoa com surdocegueira
A comunicação é a principal barreira enfrentada pelo surdocego, de maneira que a não utilização dos sentidos remanescentes (resíduos da visão e audição, se existirem e, especialmente, o tato), pode culminar em grandes perdas, geralmente, cognitivas.
Desse modo, é interessante conhecer algumas formas de comunicação dos surdocegos, entre elas:
Formas de comunicação | Descrição | ||
Libras Tátil | Consiste em uma forma de comunicação baseada na língua de sinais. É realizada com a mão do interlocutor e por sua vez interpretados pelas mãos do surdocego fluente em Libras. | ||
Braille Tátil | Trata-se de um método alfabético baseado no sistema Braille tradicional de leitura e escrita adaptado para surdocego que interpreta os pontos Braille através do tato. | ||
Alfabeto datilológico | Sistema manual de letras do alfabeto que se formam palma da mão do surdocego. | ||
Língua de sinais em campo reduzido | Trata-se de línguas de sinais para surdocegos com surdez profunda e baixa visão. Nesse caso, o comunicador precisa estar de frente, e se adequar o espaço de sinalização ao campo visual do surdocego. | ||
Tadoma | Comunicação em que o surdocego coloca uma das mãos no rosto (maxilar, boca, bochecha) e pescoço do falante para sentir a vibração da voz e assim conseguir interpretar. | ||
Placas alfabéticas | Fabricadas em plástico sólido, as letras e os números são representados em alto relevo. Alguns modelos tem cores contrastantes para auxiliar pessoas com baixa visão e outros são para pessoas surdocegas que pelo seu tato, tocam com o dedo de outra pessoa estabelecendo uma comunicação. | ||
Placas alfabéticas em Braille | Semelhante a anterior, sendo que as letras e números são em Braille e assim a pessoa surdocega percebe a mensagem explorando pelo tato os pontos referentes. | ||
Fala ampliada | Sistema feito para surdocego que usa aparelho de amplificação sonora (AASI). A comunicação é feita por meio da língua oral, ao pé do ouvido e num volume de som mais alto. | ||
Escrita ampliada | Com aumento no tamanho das letras e no contraste, evidenciando a relação palavra/fundo, para surdocegos com baixa visão. |
Além dessas formas de comunicação, você sabia que os surdocegos também podem ter acesso à internet através do computador? Você pode estar se perguntando: – Mas como uma pessoa que talvez nem têm resíduos visuais ou auditivos consegue utilizar o computador? Existe uma tecnologia chamada Linha Braille, ou Display Braille, que é um hardware que exibe dinamicamente em Braille a informação da tela. Pode-se, desse modo, definir Display Braille como um dispositivo de saída tátil para visualização das letras no sistema Braille, ou seja, esse dispositivo é útil para a pessoa surdocega, que pode superar a ausência ou dificuldade de audição e visão através do tato. Infelizmente, é pouco usado no Brasil devido ao seu altíssimo custo, sendo que os mais simples e baratos ultrapassam os cinco mil dólares.

Quando encontramos, por acaso, uma pessoa com deficiência (auditiva, visual, física, intelectual ou mental) necessitando de algum auxílio, a primeira atitude é sempre perguntar: – Como posso ajudar? Essa pergunta se faz necessário porque dependendo do tipo da deficiência, existem regras específicas para ajudá-la. Para que possamos ser mais assertivos ao oferecer ajuda a um surdocego, segue abaixo algumas dicas importantes que devemos saber. São elas:
Item | Descrição |
1. | Ao aproximar-se de um surdocego, deixe que ele perceba sua presença com um simples toque. |
2. | Qualquer que seja o meio de comunicação adotado, faça-o gentilmente. |
3. | Combine com ele um sinal para que ele o identifique. |
4. | Aprenda e use qualquer que seja o método de comunicação que ele saiba. Se houver um método, conheça-o, mesmo que elementar. |
5. | Se houver um método mais adequado que lhe possa ser útil, ajude-o a aprender. |
6. | Tenha a certeza de que ele o percebe, e que você também o está percebendo. |
7. | Para os que têm resíduos auditivos é importante encorajá-los a usar a fala se conseguirem, mesmo que eles saibam apenas algumas palavras. |
8. | Se houver outras pessoas presentes, avise-o quando for apropriado para ele falar. |
9. | Avise-o sempre do que o rodeia. |
10. | Informe-o sempre de quando você vai sair, mesmo que seja por um curto espaço de tempo. Assegure-se que ele fique confortável e em segurança. Se não estiver, vai precisar de algo para se apoiar durante a sua ausência. Coloque a mão dele no que servirá de apoio. Nunca o deixe sozinho em um ambiente que não lhe seja familiar. |
11. | Mantenha-se próximo dele para que ele perceba sua presença. |
12. | Ao andar deixe-o apoiar-se no seu braço, nunca o empurre à sua frente. |
13. | Utilize sinais simples para avisá-lo da presença de escadas, uma porta ou um carro. |
14. | Um surdocego que esteja se apoiando no seu braço, perceberá qualquer mudança do seu andar. |
15. | Seja cordial, exerça sua consideração e senso comum. |
16. | Escreva na palma da mão do surdocego. |
17. | Qualquer pessoa que saiba escrever letras maiúsculas pode fazê-lo na mão do indivíduo surdocego, além de traços, setas, números, para indicar a direção, e do número de pancadas na mão, que podem indicar quantidades. |
18. | Escreva só na área da palma da mão e não tente juntar as letras. Quando quiser passar a escrever números, faça um ponto com o indicador na base da palma de sua mão, isso lhe indicará que dali em diante virá um número. |
Menos barreiras, por favor…
É necessário alertar que o pior problema dos surdocegos é a falta de motivação, principalmente dos surdos, em se comunicar com os que também têm problemas de visão.
Rebecca Atkinson, jornalista britânica que tem a síndrome de Usher, em entrevista à BBC News, declara que “os surdos sabem muito bem como é ser tratado com indulgência por pessoas que não têm problema de audição mas, muitas vezes, é exatamente esse tratamento que os surdocegos recebem dos surdos. Uma cruel ironia!”
Segundo a jornalista, há maneiras para que os surdos se comuniquem com os surdocegos de modo mais fácil, sugerindo, por exemplo, conversar em lugares iluminados, assim como falar a uma distância mais próxima para que os surdocegos possam ver, tanto o rosto (e ler os lábios) como as mãos (para ver os sinais). É uma comunicação que precisa de tempo, paciência e compreensão!!!
De acordo com William Mager, produtor da série da BBC “See Hear”, muitos surdocegos que sofrem com essa doença contam que nem tudo é complicado e que a vida pode ser feliz e com amigos, mas que seria bem mais fácil se as barreiras de comunicação não fossem tão grandes. Ele cita, por exemplo, o caso do surdocego Des Matterson que percebeu uma certa hostilidade dos amigos surdos por ele estar perdendo a visão, sendo que muitos deles nem se esforçam mais para conversar com ele.
Desse modo, podemos verificar que a inclusão do surdocego algo tão simples, necessitando maior envolvimento e comprometimento, não só da sociedade mas principalmente dos familiares e amigos. Os surdocegos querem e precisam de mais acesso à comunicação dentro do contexto em que vivem pois, como desabafa a surdocega Molly Watt à BBC News: “Todo mundo quer conversar. Ninguém quer ser deixado de lado, excluído.”
Assim, para que eles não se sintam isolados, é importante a participação em organizações como, por exemplo, comunidades de surdocegos, no sentido de buscar a conscientização e discussão das melhorias na educação, na saúde e na acessibilidade necessária para uma plena inclusão na sociedade.
Agora que já sabemos um pouco mais sobre a surdocegueira, vamos quebrar as barreiras que os surdocegos enfrentam no dia a dia e apoiá-los, compartilhando e divulgando informações, tanto nas redes sociais como no grupo de amigos e familiares. Desta forma, estaremos fazendo a nossa parte e contribuindo para um mundo mais justo e humano!
~ Bia e Dani ~