Filhos surdos de pais ouvintes

Ainda durante a gravidez, os pais costumam ter muitas expectativas e sonhos a respeito do seu filho. Mas quando algo inesperado acontece, é preciso reorganizar as emoções e pensamentos, para que se possa oferecer à criança um ambiente adequado para o seu pleno desenvolvimento. A criança surda, quando nasce numa família ouvinte, já desafia seus pais a aprenderem outras formas de comunicação que se tornam necessárias para que haja um verdadeiro vínculo entre eles.

Vocês sabiam que cerca de 95% dos pais que têm filhos surdos são ouvintes?  

É natural que estes pais não se encontrem mais preparados para enfrentar esta situação do que aqueles que têm filhos ditos normais. Infelizmente, a sociedade costuma cobrar conhecimentos e comportamentos muito além do que eles podem apresentar quando se deparam com a dor da perda do filho que era esperado. 

Desse modo, é perceptível o sentimento de autopiedade, onde aparecem a decepção e a frustração, sendo que muitas mães sentem-se culpadas pela deficiência da criança, achando que não se cuidaram durante a gravidez. É possível aparecer a vergonha, pois o desejo dos pais quando geram um filho é que seja sua extensão e quando isso não acontece, muitas vezes se distanciam de outras pessoas. 

Como o desconhecido gera o sentimento de medo, supõe-se que não haverá escolas acessíveis para o filho e que poderá ser rejeitado pela sociedade. Outro sentimento que pode acompanhar o medo é a incerteza do futuro da criança e deles próprios. Pode ocorrer, também, um período de depressão, onde se instaura um grande vazio por causa da profundidade da dor emocional. 

Alguns pais poderão sufocar essa dor demonstrando alegria, na tentativa de mostrar para a família e amigos que a vida seguirá normalmente. No entanto, na maioria das vezes, é um comportamento para esconder o real sentimento que estão sentindo naquele momento. Sobre estes sentimentos que permeiam, não somente pais ouvintes de filhos surdos mas pais de filhos de quaisquer outras deficiências, o especialista em Educação Especial, Leo Buscaglia, considera que é importante que os pais se conscientizem de que esses sentimentos são naturais, e de forma alguma, são considerados anormais. 

No entanto, esses sentimentos tendem a impulsionar um grande conflito que é a busca de soluções para o problema que mais os angustia: a dificuldade de se comunicar com seu filho que não ouve e não fala. Enquanto alguns pais procrastinam procurando soluções, os primeiros anos de vida da criança passam rapidamente, em detrimento de uma educação que deveria estar sendo realizada desde o momento do diagnóstico da surdez.

Todavia, muitos pais aceitam e acolhem seus filhos no menor espaço de tempo possível, buscando solucionar as dificuldades que terão que enfrentar no decorrer da caminhada, seja na inclusão de seus filhos em escolas regulares ou até mesmo no convívio com familiares e amigos. Essa conscientização possibilita maior compreensão acerca de diferentes formas de comunicação que, no caso da criança com deficiência auditiva, pode perpassar pelo aprendizado da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e pelo entendimento da cultura e identidade surda. 

Dessa forma, é preciso enfatizar que a falta de comunicação vivenciada pelos familiares, é o principal obstáculo no relacionamento entre filhos surdos e pais ouvintes, sendo que a dificuldade de comunicação pode resultar em problemas emocionais e afetivos. Assim, não sendo possível essa comunicação, a criança surda precisa ser educada de maneira diferente e para isso é extremamente importante que a família, em especial os pais, se adaptem às condições linguísticas de seu filho surdo. 

Segundo Bruno Rege Lopes e Monica Maria dos Santos, autores do artigo Filhos surdos, pais ouvintes: contribuição da família para a aprendizagem da língua portuguesa, “é necessário que Escola e Família deem as mãos em apoio mútuo nesta missão, que apesar de complexa, não é impossível”. Eles orientam que é fundamental que os pais ouvintes que têm filhos surdos, busquem todas as possibilidades de intervenção que julgarem necessárias, mas de maneira alguma, negligenciam a importância de permitir o acesso do filho à cultura surda. 

Os autores também destacam que para que haja reciprocidade no processo de educação deste filho, é mais do que necessário que os pais aprendam a língua de sinais, pois é bem provável que a mesma frustração que os pais têm de seu filho não falar, os filhos surdos compartilham em relação aos pais que não desejam se comunicar em língua de sinais com eles. 

Por conseguinte, é notório destacar que, caso a criança surda não tenha a oportunidade de apropriação da língua de sinais no tempo adequado, poderá interferir, negativamente, em seu desenvolvimento linguístico e educacional. Embora o papel da família seja estabelecido em documentos legais e de orientações específicas do Ministério da Educação e da Secretaria de Educação Especial, esclarecendo a importância da aprendizagem desta língua pelos familiares, pouca ação tem sido dirigida para esse fim, nas escolas brasileiras. Para refletir, temos esta mensagem:

Mais de 90% das crianças surdas que possuem pais ouvintes não conhecem a língua de sinais (Eleweke; Roda, 2000, apud Santos, 2009, p. 22). É um dado preocupante, pois essas crianças normalmente não têm exposição a uma língua efetiva na infância e, em decorrência dessa carência, surgem inúmeros problemas socioeducativos e psicocognitivos ao longo de sua vida. Em muitos casos, os pais não querem que seus filhos aprendam a sinalizar pela falsa ideia de que, se aprenderem a língua de sinais, não serão capazes de adquirir a fala (Emmorey, 2002; Goldin-Meadow, 2003; Mayberry; Eichen, 1991).

Como podemos ver, nem tudo que reluz é ouro, ou seja, nem tudo o que a gente acredita que é, é verdade!!! Digo isso porque, como falei no post anterior, a Dani começou a usar a prótese auditiva com 2 anos e quando estava com 8 anos, com a fala razoavelmente desenvolvida, ao querer aprender a língua de sinais, nós a respeitamos por ser a sua língua natural. Ela diz que passou a compreender melhor a língua portuguesa após o conhecimento da Libras. Apesar de fazer parte da escala mais alta da perda auditiva, que é a surdez profunda, ela é surda oralizada e por ser fluente em Libras, além do português, conseguiu aprender inglês, espanhol e o básico da língua japonesa.

~ Bia ~

Setembro Azul: mês de lutas e conquistas da comunidade surda

Fonte: CPL

Setembro é um mês histórico para a comunidade surda, a começar pelo dia 23, oficialmente declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Mundial da Língua de Sinais, em comemoração à data da criação, em 1951, da World Federation of the Deaf (WFD), organização de defesa de direitos que visa a preservação da língua de sinais e da cultura das pessoas surdas, estando presente em mais de 100 países.

A data era, anteriormente, comemorada no dia 10 de setembro em razão de um fatídico evento ocorrido na Itália. No Congresso de Milão que, na verdade, foi a primeira conferência internacional de educadores de surdos, realizada entre 06 e 11 de setembro de 1880, o uso de línguas de sinais no mundo foi “absurdamente” proibido. Isso mesmo! Difícil acreditar mas naquele sinistro evento determinou-se que as línguas de sinais seriam um retrocesso na evolução da linguagem e que a oralização era a forma mais adequada à comunicação de surdos. 

Foi o período mais obscuro da história dos surdos mas com o passar dos tempos, o oralismo foi enfraquecendo diante de novas propostas reconhecendo a língua de sinais como a língua natural dos surdos. O tempo passou e conseguimos, enfim, a vitória de comemorarmos no dia 26 de setembro, o Dia Nacional do Surdo no Brasil. A data foi oficializada pelo decreto de lei nº 11.796 em 29 de outubro de 2008 sendo que, anualmente, a Comunidade Surda celebra, com muito entusiasmo, a conquista pela inclusão dos surdos na sociedade.

Apesar do avanço de muitas conquistas como o reconhecimento da Libras como meio legal de comunicação e expressão, obrigatoriedade do ensino de Libras na formação de professores, obrigação do ensino bilíngue para crianças com deficiência auditiva e a obrigatoriedade da presença de um intérprete de Libras nos órgãos públicos, a luta continua pois ainda há muito a se fazer para garantir o respeito e os direitos dos surdos no Brasil.

Por que dia 26 de setembro foi a data escolhida para ser a data comemorativa dos surdos no Brasil? 

Porque foi a data (26 de setembro de 1857) em que o Imperador Dom Pedro II fundou, no Rio de Janeiro, a primeira escola de surdos no Brasil, atualmente conhecida como Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) que segue em plena atividade como escola bilíngue de surdos. Na época, o professor francês Edouard Huet, também surdo, foi convidado a lecionar às crianças surdas a fim de integrá-las à sociedade e as aulas eram ministradas em Língua de Sinais Francesa, razão pela qual é forte a influência dessa língua na construção da Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Acrescentando-se a essas datas, temos o Dia Internacional do Surdo que é comemorado no dia 30 de setembro ou no último domingo do mês de setembro de cada ano, cujo objetivo é relembrar a luta em prol do reconhecimento da língua de sinais ao longo dos tempos em todo o Mundo, sendo que também comemoramos no dia 30 o Dia Internacional do Tradutor e Intérprete de Línguas de Sinais, profissional que, dentre milhares de possibilidades de atuação, trabalha junto a uma minoria linguística, perpassando não só a comunicação do surdo com o mundo ouvinte, mas a estruturação do seu pensamento e a essência de seu SER. 

Diante da concentração dessas datas comemorativas, setembro é realmente o mês voltado à reflexão e ao debate sobre os direitos e a luta pela inclusão das pessoas surdas na sociedade, sendo conhecida como Setembro Azul. É o mês em que a comunidade surda brasileira se empenha em manter viva a Língua de Sinais e a Cultura Surda, buscando incessantemente melhorias na educação bilíngue de surdos no Brasil.

E por que azul?

É interessante saber que a cor foi escolhida por causa de um tenebroso fato ocorrido na Segunda Guerra Mundial. Naquele irreparável conflito, todas as pessoas com deficiência – entre elas, os surdos – foram consideradas inferiores pelos nazistas e obrigadas a usar uma faixa de identificação azul, no braço, para serem, posteriormente, encaminhadas à execução.

Durante o XIII Congresso Mundial da Federação Mundial dos Surdos, ocorrido em 1999 na Austrália, foi realizada a Cerimônia da Fita Azul (Blue Ribbon Ceremony), ocasião em que o Dr. Paddy Ladd, famoso professor e pesquisador surdo usou uma fita azul no braço para simbolizar a opressão que os surdos sofreram na Segunda Guerra e a fita azul passou, então, a representar o orgulho e a resistência da comunidade surda mundial.

Setembro, como acabamos de ver, é o mês de conscientização e divulgação da cultura e da comunidade surda, mas a responsabilidade de se fazer uma sociedade mais inclusiva todos os dias, quaisquer que sejam as deficiências, quebrando barreiras de acessibilidade e lutando contra os preconceitos, é dever de todos nós, não é mesmo?

Afinal… todos têm direitos à igualdade de oportunidades, como veremos no próximo post que será sobre Setembro Verde!!!

~ Bia e Dani ~