
É impressionante como no mês de abril temos várias comemorações alusivas à leitura. No dia 2 tivemos o Dia Internacional do Livro Infantil, no dia 18 comemoramos o Dia Nacional do Livro Infantil e no dia 23, foi dia de celebrar o Dia Mundial do Livro e do Direito Autoral. Do papiro utilizado para a escrita na Antiguidade à tela dos aparelhos eletrônicos, o percurso do livro ao longo da História vem alicerçando a importância desse produto cultural como instrumento de difusão de conhecimento, além de fonte inesgotável de entretenimento, visto a humanidade ter experimentado nas páginas de romances, contos, crônicas, textos teatrais, coletâneas de poemas, entre outros, inúmeras emoções desencadeadas pela literatura, que tem o livro como principal suporte. O escritor, por sua vez, figura imprescindível para a existência do livro, não poderia ser deixado de lado nessa data, uma vez que a celebração do dia do livro está diretamente associada ao reconhecimento dos direitos autorais.
Tendo, portanto, como principais objetivos o reconhecimento e a exaltação da importância do livro e do escritor para o desenvolvimento intelectual da humanidade, o Dia Mundial do Livro e do Direito Autoral é, sem dúvida alguma, a materialização física e simbólica da criatividade humana pois, através dele, compartilha-se conhecimentos sistematizados por todas as ciências — exatas, biológicas e humanas —, impulsionando o desenvolvimento da humanidade em múltiplos aspectos: econômicos, científicos, sociais, políticos, sociológicos, históricos e antropológicos.
Embora a existência de um dia dedicado à celebração do livro e do autor também venha, ano após ano, incentivando o debate acerca das incertezas advindas da popularização de novos suportes tecnológicos para a difusão de conhecimento e sobre os direitos do autor na era digital, colocando-nos frente a frente com situações que despertam a nossa atenção em um mundo cada vez mais carente de humanização, não é de se estranhar que a chegada de formatos digitais tenha aflorado discussões acerca da sobrevivência do “livro de papel” propriamente dito. Razão que nos leva a direcionar para o futuro incerto das livrarias, que é o título deste post.
Vocês sabiam que a livraria mais famosa do mundo fica no coração de Paris? Segundo Taísa Szabatura, em seu artigo publicado na Revista IstoÉ em 13/11/2020, a Shakespeare and Company fez no início do mês da publicação, há quase 3 anos, um pedido inusitado aos seus clientes, pedindo para que comprassem livros pois, caso contrário, teriam que fechar as portas. A mensagem, enviada por Sylvia Whitman, proprietária da famosa livraria, pegou muita gente de calça curta por não ser um simples golpe de marketing, mas por expor a nua e crua realidade que livrarias do mundo todo vem enfrentando ao longo dos tempos.
Se antes da pandemia o setor já estava em crise, com o “lockdown”, até os endereços mais charmosos da literatura anunciaram o fechamento. A pergunta que se fez naquela ocasião foi: livrarias fazem parte do “serviço essencial” ao cidadão durante uma crise sanitária? Anne Hidalgo, então prefeita de Paris, disse que sim e foi mais longe, pedindo à população para que não comprasse livros na Amazon e valorizasse as livrarias alternativas da cidade. Apesar da atenção recebida naquele período, Taísa acredita que ainda é cedo para cravar um final feliz ao pequeno, porém poderoso endereço às margens do Sena, em frente à Notre-Dame, ressaltando que “a livraria de língua inglesa que leva o nome de William Shakespeare é tão relevante quanto o museu do Louvre ou a Torre Eiffel”. Para se ter uma ideia da sua imponência, a livraria faz parte da vida de escritores renomados há mais de um século, motivo pelo qual o pedido de socorro causou enorme repercussão entre os bibliófilos. Fundada em 1919, a tradicional Shakespeare and Company conquistou o coração de muitos escritores ao amparar, em 1922, o lançamento de “Ulysses”, obra máxima de James Joyce, tornando-se, desde então, local de peregrinação entre os amantes da literatura.
Até mesmo em Nova York, conforme destaca Taísa, quem está com o futuro ameaçado é a Strand Book Store, fundada em 1927 e um cartão postal da cidade. Assim como a Shakespeare, a Strand que é uma das maiores livrarias de livros novos e usados do planeta, corre o risco de sumir do mapa, pois mesmo tendo um “espaço” que define a clássica imagem do negócio livreiro, com iluminação controlada, chão de madeira e “ares” de biblioteca, sua clientela diminuiu drasticamente.
De acordo com o presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Bernardo Gurbanov, a crise do setor é generalizada e se manifesta em vários países, sendo um dos principais motivos a compra de livros, tanto digitais como impresso, pela internet, que vem substituindo o comércio presencial, fato este que infelizmente culminou no fechamento de várias lojas da Livraria Cultura, cuja falência foi decretada recentemente, causando burburinho no mercado editorial. O diretor comercial da Editora Planeta, Gerson Ramos, disse ao PublishNews que a renomada livraria marcou a vida de milhares de leitores e profissionais do livro, enfatizando que “um dos ônus de ser profissional no mercado de livros é o de precisar separar a emoção e a paixão que temos pelas obras dos autores e das livrarias, para conseguir manter foco na obtenção dos resultados necessários para mantermos nossas empresas saudáveis”. Bruno Zolotar, diretor comercial e de marketing da Editora Rocco, também deu o seu parecer, citando que a Cultura fez história no mercado brasileiro com ótimos livreiros e um padrão que era modelo para outras redes, lamentando que o mercado tenha perdido uma rede como essa e apontando que o declínio vem desde 2018 e que esse desfecho não pegou ninguém de surpresa, pois o mercado, como um todo, assistiu a sua longa agonia.
No entanto, o presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Vitor Tavares, comentou que “as livrarias são fundamentais para um mercado saudável e sustentável e que a diversidade de pontos de venda contribui para um mercado mais estabilizado e promove o acesso ao livro”, anunciando que “felizmente, podemos constatar, nos últimos meses, o surgimento de novas livrarias no país e expansão das redes de forma renovada e com foco no leitor e que o interesse pela leitura continua vivo e isso é perceptível pela grande quantidade de conteúdos sobre livros nas redes sociais”. Compartilhando desta visão otimista, Dante Cid, presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL) esclarece que “aqueles que amam o livro lamentam toda e qualquer perda ocorrida no mundo das livrarias”, argumentando que “ver outras livrarias prosperando, abrindo novas filiais, em novos formatos, nos alegra”, ao observar a retomada do hábito de leitura da população brasileira, após os últimos três anos, em meio a um cenário econômico complexo devido à pandemia. Ele, inclusive, analisou que “ao longo de 2022, esse comportamento foi mantido e influenciou o crescimento do mercado e a abertura de novas livrarias, superando o saldo de livrarias fechadas”.
Deste modo, muitas livrarias estão buscando a criatividade para não terem que fechar as portas. Em Paris, o pedido de socorro teve efeito imediato e a Shakespeare and Company foi obrigada a suspender temporariamente as vendas. A procura pelo seu clube de assinaturas, chamado “Amigos da Shakespeare and Company”, no qual o leitor recebe, por um preço fixo, livros exclusivos, carimbados e cuidadosamente embalados, chamou a atenção do público leitor que tem a comodidade de receber o livro em casa, de qualquer lugar do mundo. Da mesma forma, a Strand manda um alerta: apoie o nosso negócio e compre um “gift card”. Como podemos verificar, apoiar ações que fortaleçam as livrarias, sejam elas pequenas, médias ou grandes, é o caminho para que, em médio prazo, possamos recuperar os espaços perdidos desde 2018. Até mesmo a Editora Todavia, em nota enviada ao PublishNews, alega que quando uma livraria deixa de existir é um estrago brutal na paisagem da cidade e no cenário cultural do país inteiro, torcendo para que a nossa indústria encontre nesse revés, motivação para criar e manter caminhos sustentáveis para chegar ao leitor. Afinal, percebe-se uma mudança cultural que mostra a queda do prestígio do livro como objeto de consumo, pois não temos como negar que a praticidade da compra remota e os livros digitais tornaram as visitas às livrarias cada vez mais eventuais e, assim, muitos clientes simplesmente desapareceram.
“Criei esta livraria como um homem escreveria um romance, construindo cada cômodo como um capítulo, e gosto que as pessoas abram a porta do jeito que abrem um livro, um livro que leva a um mundo mágico em sua imaginação.” George Whitman – fundador da Shakespeare and Company
~ Bia ~