Meio litro de lágrimas

Provavelmente este seja um dos posts mais emotivos pois terei que cutucar na ferida que ainda não está totalmente cicatrizada e que continua incrustada no fundo de minha alma. Mas, enquanto me aqueço psicologicamente para expor a “dor” que me acompanha, vou contar uma história que tem tudo a ver com o título deste post.

Em 2005 estreou no Japão a minissérie 1 Litro de Lágrimas1 Litre no Namida (1リットルの涙 Ichi Rittoru no Namida) – baseada na história real de Aya Kito, diagnosticada com degeneração espinocerebelar quando tinha 15 anos de idade. Essa doença faz com que a pessoa perca gradualmente o controle sobre seu corpo, mantendo toda a capacidade mental. Extremamente abalada ao descobrir essa doença degenerativa, ela começou a escrever no seu diário, não apenas o que fazia, mas também como se sentia em relação às dificuldades pelas quais passava dia após dia.

Inicialmente, o objetivo era narrar as impressões sobre como a doença estava afetando sua vida diária. Porém, à medida que a doença progredia, o diário se tornou a sua fonte de inspiração para descrever as intensas lutas pessoais pelas quais ela estava passando, para tentar sobreviver à doença. No estágio final, Aya não podia mais comer, andar ou conversar. Seu diário tornou-se um best seller intitulado Um Diário de Lágrimas, sendo que dois anos após a publicação, ela faleceu aos 25 anos de idade. Devido à grande repercussão, o livro transformou-se, posteriormente, num seriado de muito sucesso no Japão.

Primeiro episódio da minissérie 1 Litro de Lágrimas – Legendado em português

Assisti esse drama e realmente é “de cortar o coração” ver tanto sofrimento. Na medida do possível, evito assistir filmes tristes, mas como se tratava de um enredo acerca da deficiência física, decidi assistir e não tem como não chorar, pois a história é muito comovente e nos leva a derramar, metaforicamente, um litro de lágrimas.

Mas o que tem a ver essa história com este post? Vamos, então, à nossa história…

Numa bela manhã do mês de dezembro de 2016, a Dani foi na academia e, por não ter visto uma barra de ferro, bateu a cabeça ocasionando um corte profundo na testa. Foi prontamente socorrida, e o corte foi habilmente suturado pelo médico.

Até aí tudo bem, pois foi um acidente em que ela se feriu, recebendo assistência médica. O que me deixou intrigada e com a “pulga atrás da orelha” foi ela não ter visto a barra de ferro. Como na época estávamos morando juntas, eu já vinha percebendo que ela estava esbarrando em móveis e “rasgando” os braços nas maçanetas das portas. Vira e mexe tropeçava e estava sempre com hematomas nas pernas. Até mesmo o Billy, nosso cachorrinho, ao perceber que ela estava caminhando em sua direção, rapidamente dava passagem, como se já soubesse que ela não estava mais conseguindo enxergar por onde estivesse pisando. 

Fiquei muito preocupada e aconselhei que procurasse um oftalmologista pois “desejava” que fosse apenas um ajuste a ser feito no seu exame de rotina. O oftalmologista acabou por encaminhá-la para um especialista de retina e após vários exames, o que nós mais temíamos e o que nós não queríamos, em hipótese alguma escutar, tivemos que escutar: portadora da Síndrome de Usher!!!    

Até hoje, essa palavra soa como uma lança no meu peito e saber que a Dani tem uma doença degenerativa que poderia levá-la à perda da visão, foi demais para mim. Desestruturei-me completamente!!! Já havia superado o fato dela ter nascido surda e depois de anos e anos batalhando para que ela tivesse um “lugar ao sol”, não achava justo o destino ter, novamente, me pregado uma peça. 

O sofrimento, desta vez, foi muito maior porque da primeira vez a Dani era praticamente um bebê e nem tinha noção de que era surda. Desta vez, ela já era adulta e ao saber do diagnóstico, ficou transtornada, tendo muitas dificuldades em “digerir” a realidade que se apresentava à sua frente. Chorou dias e dias, como nunca havia chorado na vida e, no desespero, chegou até mesmo a questionar se havia algum sentido em continuar “respirando” neste planeta.          

Mesmo em frangalhos e com enorme sentimento de culpa, pois a causa dessa doença é a incompatibilidade dos genes dos pais, tive que me manter firme e me controlar emocionalmente pois a Dani, mais do que eu, precisava de apoio, de carinho e do “colo” da mãe naqueles dias tão obscuros de nossas vidas. Para que ela não percebesse minha fragilidade e os destroços não desabassem de vez sobre nossas cabeças, “mergulhava” minha angústia no travesseiro e desatava a chorar copiosamente, derramando outro tanto de lágrimas e mais lágrimas.

Após os estragos emocionais e psicológicos causados por esse “terremoto”, ainda estamos reconstruindo nossas vidas, alicerçadas em propósitos que ressignificam o sentido da nossa existência. Cinco anos se passaram e a Dani, além de ter a cegueira noturna, perdeu a visão periférica (lateral), mas isso não a impediu de ir à luta para conquistar o título de doutora em Linguística. É professora de Libras numa conceituada Universidade Federal e ganhou, no ano passado, um prêmio literário com a produção do seu livro infantil “O Extraordinário Mundo de Miki“, especialmente dedicado às crianças surdas. É autora do blog Escrita de Sinais, cujo objetivo é divulgar que a língua de sinais (Libras) tem a sua própria escrita, o sistema SignWriting. Foi abençoada com a chegada do Léo, que dá um novo sentido à sua vida. 

Assim, sabendo que o futuro é incerto e o quanto é essencial viver intensamente o presente, procurando “fazer o bem, não importa a quem”, decidimos dar um fim às lágrimas, pois não temos mais tempo para chorar. A terceira lei de Newton afirma que toda ação corresponde a uma reação de igual intensidade, corroborando o ensinamento divino de que ajudando o próximo, estaremos ajudando a nós mesmos. Portanto, temos uma missão a cumprir: “bora” ajudar as pessoas!

Apesar de procurarmos ver sempre o lado positivo das coisas, não temos como “tapar o sol com a peneira”. A preocupação, a incerteza e o sentimento de culpa (no meu caso) estarão sempre presentes em nossas vidas, mas ainda assim, encontraremos pessoas que estão passando ou que passaram por situações muito mais complicadas do que as nossas. É o caso, por exemplo, da Aya Kito que, mesmo com suas capacidades mentais e sensoriais em perfeito funcionamento, teve o corpo dizimado em 10 anos.   

Ao contar essa história para a Dani, ela me disse, consternada: – Não temos o direito de lamentar, pois nesse mundo tem pessoas que estão sofrendo muito mais do que a gente!!! Precisamos agradecer diariamente por tudo que temos e valorizar cada minuto de nossas vidas!!! 

~ Bia e Dani ~

Uma resposta em “Meio litro de lágrimas

  1. A Dani é nossa Princesa Guerreira, que ama a vida assim como ela é, com isso e com a Graça de Deus, será muito feliz e abençoada hoje e na sua longa existência! Amém!!!
    E, quanto a você Beatriz, não se sinta nunca culpada, sinta-se sim uma ESCOLHIDA por Deus, para ser a mãe, a genitora de um ser tão precioso como é a nossa Dani! Meu carinhoso abraço. ❤️

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