
Não faz parte da cultura japonesa celebrar a Páscoa, de modo que muitos japoneses nem fazem ideia que nós, brasileiros, apreciamos os chocolates que enfeitam os tradicionais corredores de ovos de Páscoa nos mercados e as chocolaterias, no período alusivo à essa comemoração.
Entretanto, no final de janeiro até meados de fevereiro, temos a sensação de que a Páscoa chegou mais cedo neste país, pois uma grande variedade de chocolates com diferentes sabores e designs, embelezam as gôndolas das lojas de departamentos e afins, onde podemos encontrar chocolates de tudo quanto é tipo, preço e formato, com exceção, é claro, dos ovos de Páscoa que por aqui só encontramos nas lojas de produtos brasileiros, no período em que esta data é comemorada no Brasil.
Mas, vocês sabem o motivo de tantos chocolates serem vendidos nesta época do ano?
Ledo engano se vocês acham que é por causa do Dia do Chocolate!!! Se no Brasil o Dia dos Namorados é comemorado no dia 12 de junho, no Japão, seguindo a tradição européia e americana, comemora-se o Dia dos Namorados (Valentine’s Day), no dia 14 de fevereiro. Porém, inusitadamente neste país, essa data é comemorada em dose dupla, sendo que em fevereiro somente as mulheres oferecem chocolates aos homens (Valentine’s Day) e em março, mais precisamente no dia 14, conhecido por White Day (Dia Branco), é a vez dos homens retribuírem chocolates para as mulheres.

Essa “mania” dos chocolates é meramente comercial e foi introduzida pela confeitaria Morozoff, na cidade de Kobe, no ano de 1936, sendo posteriormente popularizada por meio de boas estratégias de marketing, de modo que, atualmente, as empresas de chocolates vendem mais da metade de seus estoques anuais durante as semanas que antecedem essas duas datas comemorativas.

O que chama a atenção é que, diferente do nosso costume, onde só os casais se presenteiam, por aqui é comum as mulheres oferecerem chocolates no Valentine’s Day, não só para os namorados, mas para os amigos, colegas do trabalho e/ou da escola e também para os familiares, existindo até mesmo uma classificação de qual chocolate comprar, dependendo do grau de relação com a pessoa a ser presenteada.

Assim, o “honmei-choco” é o chocolate oferecido à pessoa “especial”, por quem a mulher está apaixonada, e se ainda não estão juntos ou o amor é “platônico”, é uma forma de declarar seu sentimento. Muitas mulheres optam, inclusive, por fazer o chocolate artesanalmente, pois através desse gesto, esperam demonstrar o quanto a pessoa é importante para ela.
Já o “giri-choco” é o chocolate da convivência social e é oferecido aos chefes, professores, clientes e colegas no trabalho, como demonstração de amizade ou gratidão. Nas vésperas desta data comemorativa, é comum ver as mulheres comprando dezenas de caixas de chocolates, tomando o cuidado em escrever a palavra “giri” na embalagem, para não dar margem às interpretações equivocadas.
De uns tempos para cá, para alavancar ainda mais a venda de chocolates neste período, as empresas de chocolates criaram, estrategicamente, o “family-choco” para as mulheres presentearem os homens da família (marido, filho, pai, irmão, tio, primo e avôs) e o “tomo-choco” que é chocolate oferecido para os amigos e para as amigas, como demonstração de carinho e também pra ninguém ficar de fora no dia que mais parece dia do chocolate do que dia dos namorados, não é mesmo? Mais recentemente, criaram o “gyaku-choco” como uma opção para os casais apaixonados trocarem chocolates no mesmo dia, ou seja, no Valentine’s Day.
Independente desta classificação, a data é bastante aguardada pelas mulheres japonesas, especialmente pelas mais jovens e solteiras, que aproveitam a ocasião para se declarar à pessoa amada, oferecendo-lhe o “honmei-choco”.
Desse modo, envoltos neste clima romântico ou de gratidão, um mês após o Valentine’s Day, no dia 14 de março, conhecido por White Day, é a vez dos homens “devolverem” os presentes. Por que White Day?

Tudo começou em 1978, quando uma confeitaria japonesa lançou o “Dia do Marshmallow” como forma de promover seus marshmallows, especificamente para os homens, incentivando-os a retribuir os presentes recebidos no Valentine’s Day. Essa iniciativa inspirou a Associação Nacional da Indústria de Confeitaria do Japão a implementar, em 1980, o “White Day” (Dia Branco) como resposta ao Dia dos Namorados. O nome “White Day” foi escolhido, tanto pela cor do marshmallow que é branco, como também por ser o símbolo da pureza, estando intimamente associada à inocência do amor adolescente na cultura japonesa. Bela sacada, vocês não acham?

Embora os marshmallows tenham sido o presente original do White Day, outros doces como biscoitos, “macarons” e chocolates brancos são atualmente mais populares, sendo que, no final do mês de fevereiro, as lojas de departamentos e afins, intensificam suas campanhas publicitárias oferecendo uma enorme variedade de doces, apresentados em lindas embalagens, incluindo até mesmo itens de luxo, como perfumes, jóias e bolsas.

O interessante nesta história toda é que, no caso do homem ter recebido uma declaração de amor, a mulher que lhe ofereceu o “honmei choco” só saberá se é correspondida, no White Day. Se ele oferecer um presente superior a três vezes o valor do presente recebido (“sanbai gaeshi”), a resposta é óbvia, né? No entanto, como é considerado uma desfeita o homem não retribuir, ao “devolver” com um “presentinho” proporcional ao valor recebido, é sinal de que não está interessado num relacionamento mais sério.
Como acabamos de ver, o hábito de presentear chocolates no Valentine’s Day e White Day está enraizado na cultura japonesa sendo, muitas vezes, vista como uma obrigação social. Não participar da troca de chocolates pode ser interpretado como deselegância, mas muitas mulheres japonesas vêm, recentemente, se opondo ao que consideram uma prática estressante de “doação obrigatória”.
A contrariedade é direcionada ao “giri-choco”, pois muitas delas sentem-se pressionadas a gastar milhares de ienes em chocolates, para evitar ofender chefes e colegas de trabalho. No intuito de minimizar essa percepção de assédio trabalhista, muitas empresas estão, atualmente, proibindo tal prática no ambiente de trabalho. Desse modo, ao invés de dar “giri-choco”, muitas japonesas aderiram ao “jibun-choco”, ou seja, estão mais propensas a se auto-presentear com sofisticados chocolates. Nada mau, heim?

Aproveitando-se deste comportamento, um número crescente de homens japoneses vêm optando cada vez mais pelo “gyaku-choco”, preferindo dar chocolates e/ou presentes para suas esposas, namoradas ou “crushes” no Valentine’s Day e não mais no White Day. E aí, o que vocês acham?
Apesar desses dois eventos serem atípicos aos nossos olhos, os japoneses levam muito a sério esse festival de chocolates. Eu, particularmente, acho que o dia dos namorados, qualquer que seja a data, deve ser comemorada apenas entre casais, pois é uma data especial em que podemos celebrar a união, a cumplicidade, o respeito e a dedicação entre ambos, durante o decorrer do ano.

Depois de tanta conversa, encerro este post parabenizando a Dani e o meu genro Murilo pois, coincidentemente, casaram no Dia de São Valentim e hoje, 14 de fevereiro, estão comemorando as bodas de marfim (14 anos). Aproveitem para celebrar, curtindo um jantar especial, de preferência à luz de velas, num bom restaurante da cidade. Que romântico, heim? Como estou no Japão, pra não deixar a data passar em branco, vou já já degustar o meu “jibun-choco”, ou seja, o delicioso chocolate da Godiva que eu, merecidamente, comprei para mim mesma, rs.
~ Bia ~