Libras é língua ou linguagem?

Fonte: Filhos especiais, pais abençoados

Sendo hoje, 24 de abril, o Dia Nacional da Libras, na condição de professora de Libras, acho por bem esclarecer que, ao contrário do que muitos dizem (até mesmo porque eu já vi vários apresentadores famosos dos telejornais referir-se à Libras como linguagem de sinais), que a Libras – Língua Brasileira de Sinais, como o próprio nome diz, não é linguagem. É língua!!!

Para compreendermos melhor a diferença entre língua e linguagem que confunde mesmo a cabeça de muita gente, a linguagem é a capacidade de se comunicar através da linguagem oral, corporal e/ou visual, de forma a transmitir uma mensagem para outra pessoa. Temos também a linguagem digital que usa combinações numéricas para criar sites, jogos e aplicativos que permitem a comunicação via computadores, celulares e qualquer outro meio eletrônico. Por outro lado, a língua é um conjunto organizado de sons e/ou sinais que um determinado grupo usa para se comunicar, com um sistema que possui estrutura e regras próprias. Um bom exemplo é imaginarmos que estamos em um restaurante na França e não sabemos falar o idioma francês. Ao utilizarmos a linguagem corporal e/ou visual, conseguimos mostrar para o garçom o prato que desejamos pedir, apesar de não sermos capazes de fazer o pedido na língua dele e de não sabermos pronunciar o nome do prato. Será que deu para perceber a diferença entre língua e linguagem?

Agora que já sabemos que Libras é uma língua, vamos falar um pouquinho sobre esse idioma que é utilizado pela comunidade surda brasileira. Como nas diversas línguas naturais e humanas existentes, a Libras também é composta pelos níveis linguísticos: o fonológico, o morfológico, o sintático e o semântico. Ao contrário das línguas orais-auditivas que fazem o uso das palavras, nas línguas de sinais a comunicação está diretamente ligada a movimentos e expressões faciais, ou seja, a diferença está na modalidade de articulação, que no caso da Libras é a visual-espacial, não envolvendo apenas o conhecimento dos sinais, mas o domínio de sua gramática para combinar as frases, no sentido de estabelecer a comunicação de forma correta, evitando-se assim, o uso do “português sinalizado”. Muita gente pensa que a Libras é só um conjunto de sinais como simples gestos ou mímicas, mas ela vai muito além disso!!!

Para vocês terem uma ideia, os sinais surgem da combinação de configurações de mão, movimentos e de pontos de articulação – locais no espaço ou no corpo onde os sinais são feitos – e de expressões faciais e corporais que transmitem sentimentos, que compõem as unidades básicas dessa língua. Um ponto importante que devemos destacar é que cada palavra possui seu próprio sinal e somente quando não for possível identificá-lo como, por exemplo, nomes próprios, recorremos à datilologia, isto é, a soletração por meio do alfabeto em Libras. Deste modo, a língua de sinais se apresenta como um sistema de transmissão de ideias e fatos, possibilitando o desenvolvimento linguístico, social e intelectual, favorecendo o acesso à comunicação mais adequada aos surdos e, consequentemente, ao conhecimento cultural-científico, bem como a integração no grupo social ao qual pertence.

Posto isso, vou contar alguns fatos interessantes sobre a Libras. Para começar, vocês sabiam que ela não é uma língua universal? Isso mesmo! Assim como existem várias línguas faladas no mundo, existem mais de 200 línguas de sinais no mundo e cada uma tem suas próprias normas, havendo até mesmo alguns países, como o Canadá, que mais de uma língua de sinais é utilizada. Lá se usa a Língua de Sinais Americana (American Sign Language) e a Língua de Sinais de Quebec (Langue des signes québécoise) justamente pelo fato do país ter tanto o inglês quanto o francês como línguas oficiais. Da mesma forma, como o idioma português, espanhol, italiano e francês se originaram da evolução do latim, línguas de sinais também têm semelhanças umas com as outras e muitas vezes compartilham a mesma origem. A própria Libras tem, por motivos históricos, forte influência da língua de sinais francesa, quando foi criada em 1857.

Hoje em dia ela tem a sua própria identidade graças à luta sistemática e persistente da comunidade surda que fez com que a Língua Brasileira de Sinais fosse reconhecida como o meio legal de comunicação e expressão através da Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, razão pela qual comemoramos nesta data, o Dia Nacional da Libras. Sem dúvida, foi uma grande vitória para a comunidade surda pois o decreto garante o direito à Libras como a língua das pessoas surdas no acesso à educação, à saúde, à cultura e ao trabalho. A Lei também serviu de alicerce para uma série de políticas públicas. A partir de então, somaram-se novas conquistas, sendo que em 2003 foi aprovada a Portaria nº 3.284, que dispõe sobre a acessibilidade dos surdos dentro das universidades brasileiras. No ano seguinte, em 2004, foi ratificado o Decreto nº 5.296, o qual estabeleceu mais prerrogativas legais de acessibilidade.

Todavia, apesar de reconhecida, a Libras só foi regulamentada em 22 de dezembro de 2005, por meio do Decreto nº 5.626, que incluiu a Libras como disciplina curricular obrigatória na formação de professores surdos, professores bilíngues, pedagogos e fonoaudiólogos. Assim, a primeira universidade a inserir o curso de graduação em Língua de Sinais Brasileira foi a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da qual, orgulhosamente, fui aluna da primeira turma. Em 2010 foi regulamentada a profissão de Tradutor/Intérprete de Libras através da Lei nº 12.319 de 1° de setembro de 2010, simbolizando mais uma grande conquista. Em 6 de julho de 2015, entrou em vigor a Lei nº 13.146, denominada Lei Brasileira da Inclusão de Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), incumbindo ao poder público, entre outras coisas, a oferta de educação bilíngue, uma vez que é dever do Poder Público garantir acesso e educação para surdos nas escolas regulares de ensino, garantindo seu aprendizado e progressão educacional. Mais recentemente, foi sancionada a Lei nº 14.191, em 2021, que insere a Educação Bilíngue de Surdos na Lei Brasileira de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, como uma modalidade de ensino independente, antes incluída como parte da educação especial.

Como podemos observar, foi somente a partir de 24 de abril de 2002, com a Lei nº 10.436, que a Libras projetou-se nacionalmente, passando a ocupar o status de língua e reconhecida pela linguística. Para que se possa compreender a importância da Libras no desenvolvimento cognitivo da criança surda, pesquisas desenvolvidas ao longo dos anos com filhos surdos de pais surdos vêm comprovando que a aquisição precoce da língua de sinais dentro do lar, contribui de maneira mais rápida e eficaz o aprendizado do português escrito como segunda língua, se comparado com crianças surdas de pais ouvintes que tiveram acesso tardio à língua de sinais. Apesar dos meus pais não serem surdos e só ter o acesso à Libras aos 8 anos, pelo fato de ter o mais alto grau da perda auditiva (profunda), foi somente após ter assimilado a língua de sinais como a minha língua natural, que passei a compreender melhor, não só o português, mas outros idiomas como inglês, espanhol e japonês.

Desse modo, tenho que corroborar com diversos estudos que demonstram que a língua de sinais apresenta uma organização neural semelhante à língua oral, ou seja, que ela se organiza no cérebro da mesma maneira que as línguas faladas, considerando-se que a forma de comunicação natural seja aquela em que a criança, surda ou ouvinte, se sinta mais confortável. Diante dessa premissa, a Libras vem sendo, dia após dia, direcionada como um caminho necessário para a efetiva mudança nas condições oferecidas pela escola no atendimento educacional de alunos surdos. Apesar de enfrentarmos controvérsias que perpassam a discussão nesta área, além de ambiguidades e indefinições nas propostas para o ensino do surdo, temos plena consciência que concretizá-las envolve desafios de como lidar com a inclusão da Libras nos âmbitos escolares.

No Dia da Libras, que acima de tudo “marca a luta pela busca do reconhecimento, pela aceitação e inclusão do direito de aprender e de ensinar, de ingresso no mercado de trabalho e de acesso ao direito humano à qualidade de vida da comunidade surda”, como tão bem enaltece a jornalista Maria Clara no seu artigo “Dia da Língua Brasileira de Sinais – Libras: A luta pela inclusão social“, é sim, um dia de comemoração, mas ela também expõe que é uma data de “reflexão sobre a necessidade de ampliar e fortalecer políticas públicas de formação de professores e de difusão e disseminação da Língua Brasileira de Sinais no PaÍs”, conforme afirma a professora Sinara Pollom Zardo, da Universidade de Brasília (UnB), destacando, inclusive, que “é preciso que o Estado assegure uma educação inclusiva, com oferta do ensino bilíngue executado por profissionais qualificados e concursados em todas as escolas da rede pública”.

Diante desta perspectiva, em que a Libras é fundamental à educação bilíngue em nosso país, sendo coincidentemente comemorado em Portugal, no dia anterior, 23 de abril, o Dia Nacional de Educação de Surdos, o diretor do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), Carlos Maciel, aponta que é preciso reforçar a defesa dos direitos das pessoas surdas às políticas públicas do Estado, à educação pública gratuita e de qualidade, por meio de uma educação livre de capacitismo e com mais inclusão e igualdade. Afinal, temos que convir que a Libras, que é língua e não é linguagem, enquanto fenômeno social, cultural e político da comunidade surda, veio para autenticar que nós, surdos, somos sujeitos de direitos, com diferenças culturais e que o primeiro artefato de manutenção desta diferença é, sem dúvida alguma, a Língua Brasileira de Sinais.

Encerro o post com um trecho do livro “O voo da gaivota”, da escritora Emmanuelle Laborit: “Recuso-me a ser considerada excepcional ou deficiente. Não sou. Sou surda. Para mim, a língua de sinais corresponde à minha voz, meus olhos são meus ouvidos. Sinceramente nada me falta. É a sociedade que me torna excepcional…”

Sem mais delongas… Viva o Dia Nacional da Libras!!!

~ Dani ~

Perda de visão após a surdez

Fonte: Usher 1F

Os portadores da Síndrome de Usher nascem surdos e, por conta de uma doença chamada retinose pigmentar, acabam perdendo a visão. Alguns surdos convivem com a certeza de que sua visão vai, mais cedo ou mais tarde, se perder…

Então, de que forma esse surdo poderá interagir com o mundo na ausência ou diminuição significativa de dois dos principais sentidos que possuímos? É sobre isso que falaremos agora. 

​A surdocegueira é, provavelmente, uma das deficiências que mais causa incredulidade entre as pessoas sem deficiência, de modo a questionarem:

–  Como uma pessoa vai viver sem ouvir e nem enxergar? 

–  Como vai aprender e cursar uma graduação? 

À primeira vista parece impossível, não é mesmo? No entanto, como vimos no post anterior, nem sempre a pessoa não vê nada e nem escuta nada. Há pessoas que têm resíduo auditivo e/ou visual mas também tem pessoas que, por não terem nenhum resíduo, seja na visão ou na audição, são totalmente surdocegas. Mas, vamos destacar novamente que ser surdocego não significa ser totalmente cego ou surdo.

E como as pessoas com surdocegueira se comunicam? 

A forma de comunicação depende do resíduo que elas têm. Havendo resíduo visual, elas podem fazer a leitura labial, usar a linguagem oral e a língua de sinais (Libras), de acordo com a sua comunicação. No entanto, caso não haja resíduo da visão, a pessoa com surdocegueira pode utilizar outros meios de comunicação, com a mediação do guia-intérprete, que além de dominar a Libras-tátil e outros métodos de comunicação, auxilia o surdocego no seu deslocamento, descrevendo todas as informações visuais e contextuais que são importantes para a sua compreensão. 

Acessibilidade à pessoa com surdocegueira 

A comunicação é a principal barreira enfrentada pelo surdocego, de maneira que a não utilização dos sentidos remanescentes (resíduos da visão e audição, se existirem e, especialmente, o tato), pode culminar em grandes perdas, geralmente, cognitivas. 

Desse modo, é interessante conhecer algumas formas de comunicação dos surdocegos, entre elas: 

Formas de comunicaçãoDescrição
Libras TátilConsiste em uma forma de comunicação baseada na língua de sinais. É realizada com a mão do interlocutor e por sua vez interpretados pelas mãos do surdocego fluente em Libras.
Braille TátilTrata-se de um método alfabético baseado no sistema Braille tradicional de leitura e escrita adaptado para surdocego que interpreta os pontos Braille através do tato.
Alfabeto datilológicoSistema manual de letras do alfabeto que se formam palma da mão do surdocego.
Língua de sinais em campo reduzidoTrata-se de línguas de sinais para surdocegos com surdez profunda e baixa visão. Nesse caso, o comunicador precisa estar de frente, e se adequar o espaço de sinalização ao campo visual do surdocego.
TadomaComunicação em que o surdocego coloca uma das mãos no rosto (maxilar, boca, bochecha) e pescoço do falante para sentir a vibração da voz e assim conseguir interpretar.
Placas alfabéticasFabricadas em plástico sólido, as letras e os números são representados em alto relevo. Alguns modelos tem cores contrastantes para auxiliar pessoas com baixa visão e outros são para pessoas surdocegas que pelo seu tato, tocam com o dedo de outra pessoa estabelecendo uma comunicação.
Placas alfabéticas em BrailleSemelhante a anterior, sendo que as letras e números são em Braille e assim a pessoa surdocega percebe a mensagem explorando pelo tato os pontos referentes.
Fala ampliadaSistema feito para surdocego que usa aparelho de amplificação sonora (AASI). A comunicação é feita por meio da língua oral, ao pé do ouvido e num volume de som mais alto.
Escrita ampliadaCom aumento no tamanho das letras e no contraste, evidenciando a relação palavra/fundo, para surdocegos com baixa visão.
Fonte: Síndrome de Usher Brasil

Além dessas formas de comunicação, você sabia que os surdocegos também podem ter acesso à internet através do computador?  Você pode estar se perguntando: – Mas como uma pessoa que talvez nem têm resíduos visuais ou auditivos consegue utilizar o computador? Existe uma tecnologia chamada Linha Braille, ou Display Braille, que é um hardware que exibe dinamicamente em Braille a informação da tela. Pode-se, desse modo, definir Display Braille como um dispositivo de saída tátil para visualização das letras no sistema Braille, ou seja, esse dispositivo é útil para a pessoa surdocega, que pode superar a ausência ou dificuldade de audição e visão através do tato. Infelizmente, é pouco usado no Brasil devido ao seu altíssimo custo, sendo que os mais simples e baratos ultrapassam os cinco mil dólares.

Quando encontramos, por acaso, uma pessoa com deficiência (auditiva, visual, física, intelectual ou mental) necessitando de algum auxílio, a primeira atitude é sempre perguntar: – Como posso ajudar? Essa pergunta se faz necessário porque dependendo do tipo da deficiência, existem regras específicas para ajudá-la. Para que possamos ser mais assertivos ao oferecer ajuda a um surdocego, segue abaixo algumas dicas importantes que devemos saber. São elas: 

ItemDescrição
1.Ao aproximar-se de um surdocego, deixe que ele perceba sua presença com um simples toque.
2.Qualquer que seja o meio de comunicação adotado, faça-o gentilmente.
3.Combine com ele um sinal para que ele o identifique.
4.Aprenda e use qualquer que seja o método de comunicação que ele saiba. Se houver um método, conheça-o, mesmo que elementar.
5.Se houver um método mais adequado que lhe possa ser útil, ajude-o a aprender.
6.Tenha a certeza de que ele o percebe, e que você também o está percebendo.
7.Para os que têm resíduos auditivos é importante encorajá-los a usar a fala se conseguirem, mesmo que eles saibam apenas algumas palavras.
8.Se houver outras pessoas presentes, avise-o quando for apropriado para ele falar.
9.Avise-o sempre do que o rodeia.
10.Informe-o sempre de quando você vai sair, mesmo que seja por um curto espaço de tempo. Assegure-se que ele fique confortável e em segurança. Se não estiver, vai precisar de algo para se apoiar durante a sua ausência. Coloque a mão dele no que servirá de apoio. Nunca o deixe sozinho em um ambiente que não lhe seja familiar.
11.Mantenha-se próximo dele para que ele perceba sua presença.
12.Ao andar deixe-o apoiar-se no seu braço, nunca o empurre à sua frente.
13.Utilize sinais simples para avisá-lo da presença de escadas, uma porta ou um carro.
14.Um surdocego que esteja se apoiando no seu braço, perceberá qualquer mudança do seu andar.
15.Seja cordial, exerça sua consideração e senso comum.
16.Escreva na palma da mão do surdocego.
17.Qualquer pessoa que saiba escrever letras maiúsculas pode fazê-lo na mão do indivíduo surdocego, além de traços, setas, números, para indicar a direção, e do número de pancadas na mão, que podem indicar quantidades.
18.Escreva só na área da palma da mão e não tente juntar as letras. Quando quiser passar a escrever números, faça um ponto com o indicador na base da palma de sua mão, isso lhe indicará que dali em diante virá um número.
Fonte: Blog Surdocegueira

Menos barreiras, por favor…

​É necessário alertar que o pior problema dos surdocegos é a falta de motivação, principalmente dos surdos, em se comunicar com os que também têm problemas de visão.

Rebecca Atkinson, jornalista britânica que tem a síndrome de Usher, em entrevista à BBC News, declara que “os surdos sabem muito bem como é ser tratado com indulgência por pessoas que não têm problema de audição mas, muitas vezes, é exatamente esse tratamento que os surdocegos recebem dos surdos. Uma cruel ironia!”

Segundo a jornalista, há maneiras para que os surdos se comuniquem com os surdocegos de modo mais fácil, sugerindo, por exemplo, conversar em lugares iluminados, assim como falar a uma distância mais próxima para que os surdocegos possam ver, tanto o rosto (e ler os lábios) como as mãos (para ver os sinais). É uma comunicação que precisa de tempo, paciência e compreensão!!!

De acordo com William Mager, produtor da série da BBC “See Hear”, muitos surdocegos que sofrem com essa doença contam que nem tudo é complicado e que a vida pode ser feliz e com amigos, mas que seria bem mais fácil se as barreiras de comunicação não fossem tão grandes. Ele cita, por exemplo, o caso do surdocego Des Matterson que percebeu uma certa hostilidade dos amigos surdos por ele estar perdendo a visão, sendo que muitos deles nem se esforçam mais para conversar com ele.

Desse modo, podemos verificar que a inclusão do surdocego algo tão simples, necessitando maior envolvimento e comprometimento, não só da sociedade mas principalmente dos familiares e amigos. Os surdocegos querem e precisam de mais acesso à comunicação dentro do contexto em que vivem pois, como desabafa a surdocega Molly Watt à BBC News: “Todo mundo quer conversar. Ninguém quer ser deixado de lado, excluído.”

Assim, para que eles não se sintam isolados, é importante a participação em organizações como, por exemplo, comunidades de surdocegos, no sentido de buscar a conscientização e discussão das melhorias na educação, na saúde e na acessibilidade necessária para uma plena inclusão na sociedade.

Agora que já sabemos um pouco mais sobre a surdocegueira, vamos quebrar as barreiras que os surdocegos enfrentam no dia a dia e apoiá-los, compartilhando e divulgando informações, tanto nas redes sociais como no grupo de amigos e familiares. Desta forma, estaremos fazendo a nossa parte e contribuindo para um mundo mais justo e humano!

~ Bia e Dani ~

Filhos surdos de pais ouvintes

Ainda durante a gravidez, os pais costumam ter muitas expectativas e sonhos a respeito do seu filho. Mas quando algo inesperado acontece, é preciso reorganizar as emoções e pensamentos, para que se possa oferecer à criança um ambiente adequado para o seu pleno desenvolvimento. A criança surda, quando nasce numa família ouvinte, já desafia seus pais a aprenderem outras formas de comunicação que se tornam necessárias para que haja um verdadeiro vínculo entre eles.

Vocês sabiam que cerca de 95% dos pais que têm filhos surdos são ouvintes?  

É natural que estes pais não se encontrem mais preparados para enfrentar esta situação do que aqueles que têm filhos ditos normais. Infelizmente, a sociedade costuma cobrar conhecimentos e comportamentos muito além do que eles podem apresentar quando se deparam com a dor da perda do filho que era esperado. 

Desse modo, é perceptível o sentimento de autopiedade, onde aparecem a decepção e a frustração, sendo que muitas mães sentem-se culpadas pela deficiência da criança, achando que não se cuidaram durante a gravidez. É possível aparecer a vergonha, pois o desejo dos pais quando geram um filho é que seja sua extensão e quando isso não acontece, muitas vezes se distanciam de outras pessoas. 

Como o desconhecido gera o sentimento de medo, supõe-se que não haverá escolas acessíveis para o filho e que poderá ser rejeitado pela sociedade. Outro sentimento que pode acompanhar o medo é a incerteza do futuro da criança e deles próprios. Pode ocorrer, também, um período de depressão, onde se instaura um grande vazio por causa da profundidade da dor emocional. 

Alguns pais poderão sufocar essa dor demonstrando alegria, na tentativa de mostrar para a família e amigos que a vida seguirá normalmente. No entanto, na maioria das vezes, é um comportamento para esconder o real sentimento que estão sentindo naquele momento. Sobre estes sentimentos que permeiam, não somente pais ouvintes de filhos surdos mas pais de filhos de quaisquer outras deficiências, o especialista em Educação Especial, Leo Buscaglia, considera que é importante que os pais se conscientizem de que esses sentimentos são naturais, e de forma alguma, são considerados anormais. 

No entanto, esses sentimentos tendem a impulsionar um grande conflito que é a busca de soluções para o problema que mais os angustia: a dificuldade de se comunicar com seu filho que não ouve e não fala. Enquanto alguns pais procrastinam procurando soluções, os primeiros anos de vida da criança passam rapidamente, em detrimento de uma educação que deveria estar sendo realizada desde o momento do diagnóstico da surdez.

Todavia, muitos pais aceitam e acolhem seus filhos no menor espaço de tempo possível, buscando solucionar as dificuldades que terão que enfrentar no decorrer da caminhada, seja na inclusão de seus filhos em escolas regulares ou até mesmo no convívio com familiares e amigos. Essa conscientização possibilita maior compreensão acerca de diferentes formas de comunicação que, no caso da criança com deficiência auditiva, pode perpassar pelo aprendizado da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e pelo entendimento da cultura e identidade surda. 

Dessa forma, é preciso enfatizar que a falta de comunicação vivenciada pelos familiares, é o principal obstáculo no relacionamento entre filhos surdos e pais ouvintes, sendo que a dificuldade de comunicação pode resultar em problemas emocionais e afetivos. Assim, não sendo possível essa comunicação, a criança surda precisa ser educada de maneira diferente e para isso é extremamente importante que a família, em especial os pais, se adaptem às condições linguísticas de seu filho surdo. 

Segundo Bruno Rege Lopes e Monica Maria dos Santos, autores do artigo Filhos surdos, pais ouvintes: contribuição da família para a aprendizagem da língua portuguesa, “é necessário que Escola e Família deem as mãos em apoio mútuo nesta missão, que apesar de complexa, não é impossível”. Eles orientam que é fundamental que os pais ouvintes que têm filhos surdos, busquem todas as possibilidades de intervenção que julgarem necessárias, mas de maneira alguma, negligenciam a importância de permitir o acesso do filho à cultura surda. 

Os autores também destacam que para que haja reciprocidade no processo de educação deste filho, é mais do que necessário que os pais aprendam a língua de sinais, pois é bem provável que a mesma frustração que os pais têm de seu filho não falar, os filhos surdos compartilham em relação aos pais que não desejam se comunicar em língua de sinais com eles. 

Por conseguinte, é notório destacar que, caso a criança surda não tenha a oportunidade de apropriação da língua de sinais no tempo adequado, poderá interferir, negativamente, em seu desenvolvimento linguístico e educacional. Embora o papel da família seja estabelecido em documentos legais e de orientações específicas do Ministério da Educação e da Secretaria de Educação Especial, esclarecendo a importância da aprendizagem desta língua pelos familiares, pouca ação tem sido dirigida para esse fim, nas escolas brasileiras. Para refletir, temos esta mensagem:

Mais de 90% das crianças surdas que possuem pais ouvintes não conhecem a língua de sinais (Eleweke; Roda, 2000, apud Santos, 2009, p. 22). É um dado preocupante, pois essas crianças normalmente não têm exposição a uma língua efetiva na infância e, em decorrência dessa carência, surgem inúmeros problemas socioeducativos e psicocognitivos ao longo de sua vida. Em muitos casos, os pais não querem que seus filhos aprendam a sinalizar pela falsa ideia de que, se aprenderem a língua de sinais, não serão capazes de adquirir a fala (Emmorey, 2002; Goldin-Meadow, 2003; Mayberry; Eichen, 1991).

Como podemos ver, nem tudo que reluz é ouro, ou seja, nem tudo o que a gente acredita que é, é verdade!!! Digo isso porque, como falei no post anterior, a Dani começou a usar a prótese auditiva com 2 anos e quando estava com 8 anos, com a fala razoavelmente desenvolvida, ao querer aprender a língua de sinais, nós a respeitamos por ser a sua língua natural. Ela diz que passou a compreender melhor a língua portuguesa após o conhecimento da Libras. Apesar de fazer parte da escala mais alta da perda auditiva, que é a surdez profunda, ela é surda oralizada e por ser fluente em Libras, além do português, conseguiu aprender inglês, espanhol e o básico da língua japonesa.

~ Bia ~

Surdo ou Deficiente Auditivo?

Existem controvérsias sobre essa questão e talvez você já tenha visto vários termos que descrevem uma pessoa com deficiência auditiva, sendo os mais comuns: surdo e deficiente auditivo. Ambos podem ser usados, não existindo um “jeito certo” de ser surdo. 

Algumas pessoas que têm dificuldade para ouvir, conseguem se comunicar oralmente com ou sem ajuda de prótese auditiva, sendo que outras utilizam apenas a língua de sinais. Alguns nascem com problemas auditivos, enquanto outros adquirem ao longo da vida.  Assim, de acordo com o nível da gravidade, a surdez pode ser classificada em:

1) Surdez leve – perda auditiva de até 40 decibéis. Essa perda impede que o indivíduo perceba todos os fonemas das palavras. A voz fraca ou distante não é ouvida e geralmente esse indivíduo é considerado desatento, solicitando, frequentemente, a repetição daquilo que lhe falam. Essa perda auditiva não impede a aquisição normal da língua oral, mas poderá ser a causa de algum problema articulatório na leitura e/ou na escrita.

2) Surdez moderada – perda auditiva entre 40 e 70 decibéis. Esse indivíduo tem maior dificuldade de discriminação auditiva em ambientes ruidosos. Costuma ser frequente o atraso de linguagem em criança com essa perda auditiva havendo, em alguns casos, problemas linguísticos. Em geral, ela consegue identificar as palavras mais significativas, tendo dificuldade em compreender certos termos de relação e/ou formas gramaticais complexas. Sua compreensão verbal está intimamente ligada à sua percepção visual.

3) Surdez severa – perda auditiva entre 70 e 90 decibéis. Neste tipo de perda é possível o indivíduo identificar alguns ruídos familiares, percebendo apenas a voz forte. A criança com essa perda pode chegar até a idade de quatro ou cinco anos sem aprender a falar. Se a família estiver bem orientada, poderá adquirir linguagem oral. No entanto, a compreensão verbal vai depender de sua aptidão para utilizar a percepção visual, observando o contexto das situações.

4) Surdez profunda – perda auditiva superior a 90 decibéis. A gravidade dessa perda pode impossibilitar o indivíduo das informações auditivas necessárias para perceber e identificar a voz humana, impedindo-o de adquirir a língua oral. Um bebê que nasce surdo balbucia tão igual um bebê cuja audição seja normal, mas suas emissões começam a desaparecer à medida que não tem acesso à estimulação auditiva externa, fator de máxima importância para a aquisição da linguagem oral. Assim, em raríssimos casos, adquire a fala como instrumento de comunicação uma vez que, não a percebendo, não possui um modelo para dirigir suas emissões. Esse indivíduo tende a ter pleno desenvolvimento linguístico por meio da língua de sinais.

Diversas doenças e fatores circunstanciais podem causar a perda de audição, sendo que as causas congênitas são aquelas que resultam no momento ou logo após o nascimento. Pode ser causado por fatores genéticos, por doenças durante a gravidez (rubéola, sífilis, infecções e uso de determinados medicamentos como diurético, anti maláricos e citotóxicos) e durante o parto (asfixia no momento do nascimento e icterícia grave durante o período neonatal). As causas adquiridas são aquelas que resultam de doenças e circunstâncias que podem levar à perda auditiva em qualquer momento da vida, incluindo infecções crônicas no ouvido, doenças infecciosas, como sarampo, meningite e caxumba, uso de medicamentos ototóxicos, lesão na cabeça ou ouvido, exposição ao ruído excessivo, envelhecimento, excesso de cera ou corpos estranhos no canal auditivo, entre outros.

Desse modo, do ponto de vista médico, a principal diferença entre surdez e deficiência auditiva está na intensidade da perda auditiva. Para facilitar a compreensão, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), os indivíduos com perda auditiva que varia de leve a grave, podem ser classificados como deficientes auditivos. Geralmente, essas pessoas se comunicam pela linguagem oral e podem fazer uso de aparelhos auditivos, implantes cocleares e outros dispositivos. Por outro lado, a surdez é definida como a perda severa ou profunda da capacidade de ouvir em um ou ambos os ouvidos. Geralmente, um indivíduo surdo que tem esse grau de perda auditiva, costuma se apropriar da língua de sinais para se comunicar.

No entanto, o aspecto cultural é muito diferente da definição médica e não pode ser negligenciado. Nesse sentido, ser surdo ou ser deficiente auditivo não está relacionado com o grau da sua perda auditiva, e sim com a maneira como ele se reconhece.

Muitos surdos e pesquisadores consideram que o termo surdo identifica o indivíduo que percebe o mundo por meio de experiências visuais e opta por utilizar a língua de sinais, valorizando a cultura e a comunidade surda. Por outro lado, pessoas com deficiência auditiva que são oralizadas e não se identificam com a cultura dos surdos, são vistas como deficientes auditivas.

Entretanto, não há uma definição única para dizer se alguém é surdo ou deficiente auditivo. Perante a Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão, alinhada com os conceitos internacionais), usa-se pessoa com deficiência auditiva para TODOS OS SURDOS e ser surdo ou deficiente auditivo é uma questão de escolha. É preciso respeitar a percepção pessoal de cada um e a forma como ele se define e está inserido na comunidade onde vive. 

O mais importante nesta história toda é que a proximidade entre surdos sinalizantes e surdos oralizados fortalece a luta por acessibilidade para todos que têm, na verdade, a mesma deficiência. Como exemplo, temos a galera da Dani que é bem diversificada, tanto de surdos sinalizantes como de surdos oralizados, sejam eles implantados ou não, e até mesmo de surdos casados com ouvintes, que estão sempre se reunindo e, juntos e misturados, “curtem” a vida numa boa, cada um respeitando o espaço do outro e vice-versa. É uma turminha de surdos que, literalmente, estão sempre de bem com a vida!!! Vale a pena conhecê-los e, dentro em breve, farei um post sobre eles.

~ Bia ~

Setembro Azul: mês de lutas e conquistas da comunidade surda

Fonte: CPL

Setembro é um mês histórico para a comunidade surda, a começar pelo dia 23, oficialmente declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Mundial da Língua de Sinais, em comemoração à data da criação, em 1951, da World Federation of the Deaf (WFD), organização de defesa de direitos que visa a preservação da língua de sinais e da cultura das pessoas surdas, estando presente em mais de 100 países.

A data era, anteriormente, comemorada no dia 10 de setembro em razão de um fatídico evento ocorrido na Itália. No Congresso de Milão que, na verdade, foi a primeira conferência internacional de educadores de surdos, realizada entre 06 e 11 de setembro de 1880, o uso de línguas de sinais no mundo foi “absurdamente” proibido. Isso mesmo! Difícil acreditar mas naquele sinistro evento determinou-se que as línguas de sinais seriam um retrocesso na evolução da linguagem e que a oralização era a forma mais adequada à comunicação de surdos. 

Foi o período mais obscuro da história dos surdos mas com o passar dos tempos, o oralismo foi enfraquecendo diante de novas propostas reconhecendo a língua de sinais como a língua natural dos surdos. O tempo passou e conseguimos, enfim, a vitória de comemorarmos no dia 26 de setembro, o Dia Nacional do Surdo no Brasil. A data foi oficializada pelo decreto de lei nº 11.796 em 29 de outubro de 2008 sendo que, anualmente, a Comunidade Surda celebra, com muito entusiasmo, a conquista pela inclusão dos surdos na sociedade.

Apesar do avanço de muitas conquistas como o reconhecimento da Libras como meio legal de comunicação e expressão, obrigatoriedade do ensino de Libras na formação de professores, obrigação do ensino bilíngue para crianças com deficiência auditiva e a obrigatoriedade da presença de um intérprete de Libras nos órgãos públicos, a luta continua pois ainda há muito a se fazer para garantir o respeito e os direitos dos surdos no Brasil.

Por que dia 26 de setembro foi a data escolhida para ser a data comemorativa dos surdos no Brasil? 

Porque foi a data (26 de setembro de 1857) em que o Imperador Dom Pedro II fundou, no Rio de Janeiro, a primeira escola de surdos no Brasil, atualmente conhecida como Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) que segue em plena atividade como escola bilíngue de surdos. Na época, o professor francês Edouard Huet, também surdo, foi convidado a lecionar às crianças surdas a fim de integrá-las à sociedade e as aulas eram ministradas em Língua de Sinais Francesa, razão pela qual é forte a influência dessa língua na construção da Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Acrescentando-se a essas datas, temos o Dia Internacional do Surdo que é comemorado no dia 30 de setembro ou no último domingo do mês de setembro de cada ano, cujo objetivo é relembrar a luta em prol do reconhecimento da língua de sinais ao longo dos tempos em todo o Mundo, sendo que também comemoramos no dia 30 o Dia Internacional do Tradutor e Intérprete de Línguas de Sinais, profissional que, dentre milhares de possibilidades de atuação, trabalha junto a uma minoria linguística, perpassando não só a comunicação do surdo com o mundo ouvinte, mas a estruturação do seu pensamento e a essência de seu SER. 

Diante da concentração dessas datas comemorativas, setembro é realmente o mês voltado à reflexão e ao debate sobre os direitos e a luta pela inclusão das pessoas surdas na sociedade, sendo conhecida como Setembro Azul. É o mês em que a comunidade surda brasileira se empenha em manter viva a Língua de Sinais e a Cultura Surda, buscando incessantemente melhorias na educação bilíngue de surdos no Brasil.

E por que azul?

É interessante saber que a cor foi escolhida por causa de um tenebroso fato ocorrido na Segunda Guerra Mundial. Naquele irreparável conflito, todas as pessoas com deficiência – entre elas, os surdos – foram consideradas inferiores pelos nazistas e obrigadas a usar uma faixa de identificação azul, no braço, para serem, posteriormente, encaminhadas à execução.

Durante o XIII Congresso Mundial da Federação Mundial dos Surdos, ocorrido em 1999 na Austrália, foi realizada a Cerimônia da Fita Azul (Blue Ribbon Ceremony), ocasião em que o Dr. Paddy Ladd, famoso professor e pesquisador surdo usou uma fita azul no braço para simbolizar a opressão que os surdos sofreram na Segunda Guerra e a fita azul passou, então, a representar o orgulho e a resistência da comunidade surda mundial.

Setembro, como acabamos de ver, é o mês de conscientização e divulgação da cultura e da comunidade surda, mas a responsabilidade de se fazer uma sociedade mais inclusiva todos os dias, quaisquer que sejam as deficiências, quebrando barreiras de acessibilidade e lutando contra os preconceitos, é dever de todos nós, não é mesmo?

Afinal… todos têm direitos à igualdade de oportunidades, como veremos no próximo post que será sobre Setembro Verde!!!

~ Bia e Dani ~