Somos todos irmãos

Fonte: Insustentável Leveza

A que ponto chegamos? No mês de dezembro, no post Fazer o bem, não importa a quem, faz bem, comentei que, por causa de diversos conflitos sociais que eclodiram em alguns países da Europa durante a Revolução de 1848, a fraternidade cedeu seu espaço à solidariedade, fazendo parte do cenário político como uma bandeira dos movimentos sociais. Entretanto, diante dos desafios que vivenciamos atualmente nas sociedades ditas “desenvolvidas”, em que os tempos são de contradição, de mudanças muito aceleradas e de crescentes desigualdades socioeconômicas, em que tudo parece estar se reduzindo ao materialismo e que nada tem valor, se não houver alguma contrapartida, nunca foi tão urgente refletir e aprofundar novamente esta ideia de Fraternidade e o seu papel na construção de uma sociedade melhor.

Além disso, discursos de ódio que minam o espírito da tolerância e do respeito pela diversidade, agravadas num momento em que o mundo continua respondendo à pandemia, fez com que a Organização das Nações Unidas (ONU) adotasse em 2020, o Dia Internacional da Fraternidade Humana. A data escolhida foi o dia 4 de fevereiro porque foi exatamente nesta data, em 2019, que o Papa Francisco e o Grão-Imã Ahmed Al-Tayeb, assinaram em Abu Dhabi, o documento “Fraternidade Humana para a Paz Mundial e para a Coexistência”, que busca primordialmente sublinhar a importância de compreensão de diferentes culturas, religiões, credos e da promoção da tolerância, que inclui a aceitação social do que é diferente.   

De acordo com o Vatican News, “o caminho para construir uma autêntica fraternidade entre povos de diferentes religiões tem suas raízes na Gaudium et spes, onde o trabalho das instituições internacionais é apreciado como um instrumento de desenvolvimento e reconciliação e se expressa ajuda, tanto aos que acreditam em Deus quanto aos que explicitamente não o reconhecem, para que possam tornar o mundo mais conforme à dignidade eminente do homem, aspirar a uma fraternidade universal apoiada em bases mais profundas, e responder, sob o impulso do amor, com um esforço generoso e unido aos apelos mais urgentes de nosso tempo”. 

O portal também destaca que “enquanto as experiências desumanas de pobreza e guerra – geradas por um terreno fértil para a degradação social, ética e política onde se alastra o terrorismo – assolam o tempo presente, através do Documento da Fraternidade assinado em Abu Dhabi, os dois líderes convidam todos os fiéis a trabalharem juntos em prol de uma cultura do respeito”.

Infelizmente, é uma questão bastante preocupante porque não se trata de uma vaga expressão literária de tragédia. É a dura e cruel realidade do que está diante de nossos olhos: as pequenas guerras, nesta fragmentada terceira guerra mundial, os povos sendo dizimados na pandemia, milhares de pessoas não tendo o que comer, toda essa desumanidade que nos deixa cada dia mais assustados, pois somos todos irmãos!!! 

Somos, sim, diferentes uns dos outros, mas iguais em dignidade e, onde quer que a gente more, da cor da pele, da religião, da classe social, do sexo, da idade, das condições sócioeconômicas, querendo ou não, estamos vivendo “debaixo do mesmo céu”, sendo a fraternidade o alicerce das relações entre os povos deste planeta.

Assim, o Papa Francisco reforça que o percurso da fraternidade é longo e difícil, mas é a âncora de salvação para a humanidade, convidando todas as pessoas a caminharem lado a lado, “fratelli tutti”, para serem artesãos de paz e de justiça, na harmonia das diferenças e no respeito da identidade de cada um. 

Mas como “fraternizar” em um mundo tão polarizado, que prega o individualismo acima do bem comum?

Antes de mais nada é preciso lembrarmos que fraternidade é um termo oriundo do  latim, “frater”, que significa irmão. Sermos irmãos implica em termos algo em comum. Podem ser os mesmos pais biológicos, a mesma comunidade, a mesma nacionalidade, o mesmo movimento ideológico mas, acima de tudo, a boa relação entre os seres humanos, em que se desenvolvem sentimentos positivos e de afeto, que são próprios dos irmãos de sangue.

Desse modo, para compreendermos o verdadeiro sentimento da fraternidade, precisamos primeiramente nos ater a esse algo em comum, porque ao reconhecermos nosso semelhante como irmão, isso nos leva a ter mais paciência, tolerância e resiliência em reatar os laços, alicerçados no sentimento de confiança e respeito mútuo. 

Como podemos observar, é uma questão de posicionamento mental diante da vida e para a socióloga Lúcia Helena Galvão, viabilizar a fraternidade pode ser possível quando formos capazes de deixar o coração carimbado em tudo que fizermos, mentalizar a vivência de um dia nobre e inspirador, caminhar na velocidade que  permita lembrar quem somos e a quem servimos, sem pressa e sem pausa, cultivando uma predisposição positiva que não nos incomode ao depararmos com pessoas estressadas ou mal educadas, visto sermos todos duais, ou seja, temos qualidades e defeitos, cabendo a cada um de nós compreendermos as pessoas que, direta ou indiretamente, estão presentes no nosso dia a dia.

A socióloga nos incita, inclusive, a pensar nas palavras de José Saramago, ao afirmar que o egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas covardias do cotidiano, “contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental, que consiste em estar no mundo e não ver o mundo. Ou só ver dele o que, em cada momento, for suscetível de servir aos nossos interesses”. Assim, ela esclarece que ao limparmos o vidro de uma janela, por exemplo, percebemos maior transparência que permite enxergar melhor a beleza do outro lado e que isso também acontece conosco: fazendo a limpeza espiritual, tendo a humildade de tratar nossos semelhantes como irmãos, poderemos enxergar a beleza exterior. 

Diante desta premissa, a  ideia de bem-comum só é possível com o reconhecimento da existência do outro e não devemos, de maneira alguma, forçar a fraternidade. Podemos, sim,  assumi-la por meio de uma educação voltada para uma cidadania mais empática, fraterna e solidária, conscientes da interdependência entre as pessoas, numa atitude mais aberta, cooperativa, menos desconfiada e sem preconceito, em conformidade com o pensamento de Paula Serpa de que “não há Eu sem um Tu. Eu e Tu formamos um Nós, por mais diferente que esse Tu seja de um Eu que o estranha,  porque não há existência possível sem encontro e sem diálogo”.

Neste sentido, vale ressaltar que diversas pesquisas no campo da neurociência têm revelado que nenhuma sociedade sobrevive sem a coesão social, demonstrando que a preservação e evolução da espécie humana depende sobretudo da reciprocidade e da solidariedade.  E é justamente através deste parâmetro, nos colocando no lugar do outro, no respeito pela dignidade humana, na igualdade e liberdade, tão “proclamada” na Revolução Francesa, que devemos refletir acerca da mensagem do Papa Francisco, no evento alusivo ao II Dia Internacional da Fraternidade Humana, realizado no ano passado (2022), ocasião em que ele propagou que a fraternidade é o único caminho possível para a humanidade ferida por guerras, alertando e pedindo uma mudança de rota: “Ou somos irmãos ou tudo desaba”!!!

~ Bia ~

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